O Sri Lanka tem um novo governo, mas Daran Kandasamy e Su Gomez acreditam que “não mudou nada”. A crise económica e a falta de alimentos obrigaram o casal a fugir do país em novembro. Agora, é do Algarve, a mais de 9000 quilómetros da terra natal, que vão acompanhando as últimas notícias que chegam do país e da família que deixaram para trás.

Mas a informação que tem chegado nos últimos tempos não os deixa mais descansados.

A razão pela qual passámos por todas estas dificuldades, por todos estes protestos, é porque queremos uma mudança de sistema. Este é o mesmo sistema corrupto que nos trouxe até aqui.

Ao Observador, o casal fala em “ideias populistas que continuam a prevalecer” e que foram as responsáveis por levar o país à crise económica. E na hora de atribuir responsabilidades, Daran e Sun não têm dúvidas: “O antigo Presidente ainda controla muita da narrativa política. Nada mudou”.

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Velho aliado da família Rajapaksa é o novo primeiro-ministro do Sri Lanka

Gotabaya Rajapaksa foi o principal alvo de críticas durante os protestos dos últimos meses no Sri Lanka. Quando os manifestantes invadiram o palácio (e a piscina) presidencial, o antigo Chefe de Estado foi rápido a renunciar ao cargo e a fugir num jato privado para as Maldivas.

Mas Daran chama a atenção para as “brechas na constituição” que Rajapaksa tem conseguido encontrar e que lhe têm permitido manter os seus no poder, ao mesmo tempo que conta com o apoio da maioria parlamentar. O imigrante acusa o antigo líder de “comprar muitos deputados” e de “tornar  sistema corrupto aos poucos”. Fios que se estendem mesmo ao novo Presidente,  que “é uma espécie de uma marioneta”.

Novo governo, mesma política

Ranil Wickremesinghe também foi visado nas críticas populares do Sri Lanka, tendo apresentado a demissão do cargo de primeiro-ministro ao mesmo tempo que Rajapaksa. Mas em poucos dias, o antigo chefe de governo assumiu a presidência interina e recebeu o voto da maioria dos deputados para se tornar Chefe de Estado. Algo que apenas atirou mais lenha para o descontentamento do povo.

As pessoas não querem alguém que entrou pela porta de trás, sem ter sido eleito. Ele só recebeu o apoio dos deputados. Na verdade, o povo já o expulsou. Não tem o povo a dizer ‘queremos ter este presidente’.

Também Wickremesinghe precisou de dar voltas à constituição para encontrar um espaço no poder. O partido do atual Presidente conseguiu apenas um lugar no parlamento, algo “que nunca tinha acontecido”. No entanto beneficia da proteção de Rajapaksa e, consequentemente, do apoio da maioria dos deputados. Daran diz que, no Sri Lanka, estes ingredientes são o suficiente para que qualquer um seja colocado no poder.

As críticas de Daran estendem-se ainda ao restante corpo executivo, que praticamente não teve qualquer alteração. Fala de um “mesmo governo, mas com um novo presidente” e não duvida de que se trata do “mesmo grupo de pessoas que trouxeram a crise económica”. Daran explica também que alguns ministros já têm historial, já estiveram ou continuam envolvidos em negócios em conjunto, e reitera que “o sistema é todo corrupto”.

A situação ficou pior ao longo da última semana. A 18 de julho, o novo Presidente do Sri Lanka declarou o estado de emergência, o que lhe garante autoridade para reprimir novos protestos. E foi exatamente o que aconteceu. Três dias depois desse anúncio, Wickremesinghe ordenou uma carga militar que desmantelasse o acampamento, independentemente do preço. Isto apesar dos manifestantes já terem prometido que iriam levantar o acampamento no dia seguinte.

Daran descreve um cenário de horror, em que as autoridades “bateram nos manifestantes, bateram em alguns jornalistas, impediram a entrada de ambulâncias para tratarem dos feridos… Aconteceu muita coisa”. Mas ressalva que a violência não parou os protestos. Bem pelo contrário. O povo do Sri Lanka voltou a sair à rua, “há novos protestos a acontecer agora mesmo”. E Daran garante que vão continuar.

Manifestantes em protesto contra operação das autoridades no Sri Lanka

Uma situação sem fim à vista

Mas Su Gomez é mais contida e fala de uma “divisão” dentro do povo. Se é verdade que muitos continuam nas ruas para exigir novas eleições, também há quem comece a pensar num futuro próximo.

Há pessoas que estão a passar fome, que têm os filhos a passar fome, que não têm combustível… E pensam que a melhor opção é dar uma oportunidade a este governo para ver se eles conseguem aliviar a crise económica.

Uma esperança fundada no desespero. Mas Su não deixa de ressalvar que o mesmo governo que pode ajudar o Sri Lanka, é o mesmo que o afundou e que trouxe a “corrupção” e os “problemas económicos”.

Su admite que ainda é preciso esperar para ver quais as ações do novo governo, mas ao mesmo tempo não duvida de que os problemas do país vão resolver-se apenas de duas maneiras: ou o governo mete mão nos manifestantes (e admite mesmo a possibilidade de se instaurar a lei marcial) ou os protestos “ganham força” e o governo volta a cair.

O país também pode pedir fundos ao Fundo Monetário Internacional e tentar contornar a inflação e o défice orçamental, mas o FMI já avisou que não vai “interagir com o governo enquanto a crise continuar”, o que afasta qualquer tipo de apoio enquanto os protestos não forem terminados.

Ainda assim, o Sri Lanka não fica necessariamente abandonado. Daran conta que a Índia está a ajudar “não só com combustível e comida, mas também com assistência médica”. Mas não duvida  que o governo indiano está a defender a própria a agenda e quer evitar que os problemas económicos passem a fronteira. Também a China já se mostrou disposta a emprestar dinheiro para ultrapassar a crise, mas desta forma o Sri Lanka “vai ficar cada vez mais endividado”. O país ainda conta com o apoio do Reino Unido e dos Estados Unidos, mas Daran e Su não acreditam que a resposta passe pela ajuda “que vamos buscar lá fora”.

Para todos os efeitos, o Sri Lanka só pode chegar a uma solução permanente quando conseguir estabilidade política. Um cenário que ainda parece longe de se concretizar.