Até hoje não consegui decidir o que se faz numa café que também é restaurant. Ficamos lá muito ou pouco tempo? Pedimos muita comida ou pouca comida? E pedimos toda de uma vez? Ou pedimos aos poucos? Decididamente, o Café Janis (Rua da Moeda, em Lisboa) não é para gente com as minhas dúvidas, é para la plupart des gens e é juste parfait, porque combina num só espaço café, bistrot, restaurante ou simplesmente um sítio para beber um copo e picar alguma coisa. Como não estamos em Paris, não é um café parisien mas sim um café all-day e não há assim tantos em Lisbonne.
A revolução francesa começou no Café de Foy e talvez qualquer coisa possa começar no Café Janis, na capital portuguesa excitada pelo regresso do turismo depois do inverno covidiano. A mim conquistou-me e explico porquê. Normalmente, tenho um problema com spots feitos a pensar em pessoas que usam Vans pretos com risca branca como nós usávamos All Stars (espero que os Vans sejam mais confortáveis) e têm ar de quem recebeu o livro “A Arte Subtil de Dizer Que se F***a”” numa festa de amigo secreto num destes Natais. Falo das pessoas que nasceram de smartphone na mão, estão a começar carreiras, usam óculos até sem precisar e para quem as tatuagens são um must e o abacate preponderante. Nada contra eles em particular, o problema é que deram origem a uma cuisine de instagram, que toda a gente sabe que não tem grande sabor, mesmo que os pratos sejam bonitos, saudáveis e exóticos em qualquer um dos milhões de spots que os servem a troco de uma fortuna.
O Café Janis, desde 2018 ali quase em frente ao mercado da Ribeira, na zona do Cais do Sodré, parece ter resolvido o problema da cuisine com invulgar inteligência, como comprovei num dia quente de junho, quando lá fui almoçar com uma amiga que me queria contar como estava mais magra, andava a ser elogiada por toda a gente e se sentia confiante para enfrentar o verão nos biquínis que ia comprar num site qualquer que não me recordo.
O Janis é num prédio pequeno, pintado de amarelo e reconhece-se pelas verduras que decoram a entrada. Se tirarmos os lugares no exterior, lá dentro o café é pequeno e fresco e, como tudo nas zonas trendy das cidades trendy, ocupa um antigo espaço, neste caso de uma salsicharia vienense (onde nunca fui, nem sei o que seja).
À chegada, não havia mesa disponível, sempre um bom sinal, embora inconveniente, claro. Começamos lindamente quando a empregada me perguntou se queríamos esperar, eu disse que sim, perguntando pelo tempo de espera e ela me respondeu que não ia dizer que eram só dez minutos, porque se fosse mentira eu ia ficar zangada. Adorei a resposta honesta, dado que a frase “aquela mesa já vai nas sobremesas e está quase a sair ” é das piores tradições portuguesas que conheço é, porque é toujours mentira — nunca está quase, pelo contrário.
A segunda boa novidade no Janis foi o facto de a empregada nos ter dado a maior mesa pouco depois, onde cabiam à vontade umas cinco pessoas, violando outra regra bem portugaise de não dar uma mesa grande a duas pessoas, “porque ali cabem quatro”. A terceira novidade surpreendente foi constatar que a mesa grande não abanava ( tout le monde sabe do que falo) e que o banco onde nos sentamos estava recheado de almofadas e era bem confortável. A quarta e mais surpreendente novidade de todas foi quando pedi sugestões à empregada e ela não me repetiu a lista toda como é habitual fazer-se, tendo a coragem de recomendar de facto dois pratos, como eu pedira. Em boa hora. Em nome de um verão de biquíni, partilhamos dois pratos vegan, uma Veggie Jaca Toastie (excelente!) e Raw Zucchini Goat Cheese Salada (muito bem feita, com nozes, tomate cherry e azeitonas e aproveito para lembrar que zucchini é courgette e não um tipo de massa, como a minha amiga insista).
A lista tem imensos cocktails prometedores, mas bebemos água, deixando sumos, as matchas, os piscos sour e os Aperol para os turistas que enchiam o Café quando lá estivemos. Comemos com vontade, doses generosas, servidas no tempo certo, ficando eu com olho na Cheesy Pancetta (pancetta com queijo derretido, funcho, cogumelos e molho chili) e a minha amiga num abacate com halloumi, ovos mexidos e cogumelos torrados. De manhã há croissants e coisas com açaí, para quem toma pequeno almoço fora de casa.
No Janis metem folhas verdes em tudo, inclusive por cima das nossas cabeças, mas conseguem nunca ser irritantes ou zelotas destas novas maneiras de estar, ver e saborear a vida. Podemos comer tudo vegan ou podemos comer presunto de Parma, queijos, ovos, tábua de salmão fumado, que ninguém leva a mal, ninguém nos julga. Querem provas? Para adoçar a boca depois de tanta folha verde, a simpática empregada sugeriu-nos uma fatia de bolo de maçã como sobremesa e conseguiu não dizer com olhos arregalados que era vegan, feito sem ovos e sem leite. Só depois, quando deixamos meia fatia no prato e admiti que talvez fosse um pouco seco, é que a empregada, cúmplice, nos disse que a culpa podia ser da veganice do bolo.
O Janis é como Jacques Brel ou Georges Simenon, toda a gente acha que são franceses, mas na verdade são belgas, como os proprietários (disse-me a empregada) e eu pensei nisso quando olhava a enorme fotografia de Serge Gainsbourg dentro de uma banheira, por cima da zona do bar. Gosto dos belgas, gosto das batatas fritas e do Tintin, mas se tivesse um Café Janis talvez também o decorasse com uma foto do Gainsbourg ou talvez da Jane Birkin. Os donos são de certeza pessoas inteligentes. Em Portugal, os sítios com conceito são só desculpas para a publicitária que foi despedida por gastar o dinheiro da indemnização nas obras e na decoração para provar aos seus antigos colegas que ainda tinha lugar na agência, mas no Café Janis não há esses exageros.
Nota-se que o chão e as paredes não foram mexidos e muito bem. A decoração é mesmo no ponto, nada de americanadas ou sombreros gigantes comprados pela internet. A patine está lá toda, bem como o look industrial tão dans la mode como os Vans pretos de risca branca e assim pouparam uns dinheiros valentes, mantendo-se fiéis a um certo espírito de modernidade e a essa a bendita filosofia do reutilizar, reciclar, poupar, em nome de um planeta melhor.
O Café Janis podia ser em qualquer capital europeia ou cidade ocidentalizada, não é demasiado caro, o que costuma ser outro handicap destes locais contemporâneos, nem abusa do palavreado hipster (não me recordo de ter visto a palavra brunch em lado nenhum!). O café expresso a um euro lembra que estamos em Portugal, onde cobrar muito dinheiro por uma bica é uma ofensa tão grave como pisar a bandeira.
Inesperadamente, tem um dos melhores sistemas de som que tenho conhecido nos últimos tempos, com uma playlist perfeita, que mistura tudo e todos muito bem, com o volume na medida exata. Devo dizer que musique d’ambience é uma mania minha, que costumo usar como medida de qualidade de um sítio e neste particular tão importante o Janis merece nota máxima.
No fim de uma ótima refeição, servida por uma excelente e bem disposta empregada brasileira, dizem-me que não há MB Way, mas que se quiser posso pagar com Apple Pay, informação que recebi como lembrança que o Janis é sobretudo para turistas e gente que usa Vans pretos com risca branca. Sentindo-me subitamente velha e metida no meu lugar, coloquei-me de pé em cima dos meus All Star, puxei a minha amiga pelo braço e fomos rua abaixo, a falar da vida e do verão.
Patrícia Le Mans estudou Filosofia e Moda. Gosta de queijo, champagne e de ameîjoas à Bulhão Pato. Tem mãe portuguesa, pai francês, vai flutuando entre Lisbonne e Paris e escrevendo para o Experimentador Implacável.