Adensam-se as dúvidas sobre o paradeiro e o estado de saúde de Volodymyr Saldo, que o Kremlin nomeou governador da região (ucraniana, mas tomada pela Rússia) de Kherson.

Depois de esta quinta-feira o próprio ter alegadamente comunicado, através da plataforma Telegram, que tinha sido internado de urgência — sendo substituído por Sergei Eliseev —, relatos vindos da Rússia garantem que Volodymyr Saldo estará em coma induzido e que se suspeita que tenha sido envenenado.

A alegação não foi corroborada oficialmente e um adjunto seu, Kirill Stremousov, garantiu até que o afastamento e internamento devem-se apenas a “stress físico e psicológico” do antigo governante de Kherson. Porém, fontes russas garantem que o cenário real é outro.

Este sábado, o jornal ucraniano Euromaidan Press citava dois canais russos no Telegram, o Baza e o Mash, que, referindo ter obtido informações junto de fontes próximas de Saldo, alegavam que o antigo governador tinha sido levado em coma induzido para uma unidade de toxicologia de um centro hospitalar de Moscovo, o Instituto Sklifasovsky de Moscovo.

O Baza, por exemplo, garantia ter tido informações de que Volodymyr Saldo se encontrava em estado crítico numa unidade de cuidados intensivos do departamento de toxicologia referido. Uma unidade que, ainda de acordo com o Baza, trata apenas pacientes envenenados com elementos químicos e a necessitar de uma destoxificação urgente do corpo, sendo também a única unidade de Moscovo com equipamento de alta precisão na identificação de venenos químicos.

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Já o canal russo Mash, também de acordo com o Euromaidan, escrevia que o diagnóstico do antigo governador de Kherson era “envenenamento com uma substância desconhecida; outras opções incluem encefalopatia [doença relacionado com o encéfalo, isto é, com parte do sistema nervoso encerrado no crânio] de origem desconhecida”.

No dia seguinte, no domingo, o The Telegraph avançava mais detalhes sobre o alegado estado de saúde do político. Citando “meios de comunicação de oposição russos” (não identificados), o jornal britânico escrevia que a 3 de agosto o antigo governador de Kherson “começou a ficar doente, a sua mente começou a ficar enevoada e deixou de sentir as pontas dos dedos”. Tudo depois de ter alegadamente ingerido comida preparada por um cozinheiro que começara a trabalhar para o político na véspera.

Um atentado anterior à bomba e uma convicção perdida: “Kherson é Ucrânia”

Caso se confirme o envenenamento, não seria o primeiro atentado à vida do antigo autoproclamado governador russo de Kherson — pelo menos de acordo com a agência de notícias estatal russa RIA Novosti, que em julho alegou que uma bomba fora colocada estrategicamente numa estrada que fazia parte de um percurso que se previa que Volodymyr Saldo fizesse. A viagem não chegou a acontecer sem que a bomba fosse “descoberta e desarmada a tempo”, ainda de acordo com a agência estatal russa, citada pela revista norte-americana Newsweek.

A história de Volodymyr Saldo é, porém, ainda mais intrincada. Há cerca de dois meses, a 12 de junho, a organização de jornalistas Radio Free Europe publicava um perfil que lembrava um texto publicado pela alegada conta de Saldo na rede social Facebook, a 14 de março, poucas semanas após a invasão russa à Ucrânia. Esse texto terminava assim: “Eu não traí a minha alma. A minha alma é Kherson e Kherson é Ucrânia”.

Cerca de um mês depois da publicação desse texto, Saldo seria nomeado pelo regime russo governador de Kherson. E perto de três meses depois do ‘post’, o Presidente russo Vladimir Putin aprovava um decreto que permitia a ucranianos em Kherson pedir cidadania russa, recebendo um passaporte russo. Comentando este novo passaporte emitido para habitantes de Kherson, Volodymyr Saldo afirmou: “Para mim este é um momento verdadeiramente histórico. Achei sempre que somos um só país e um só povo“.

O antigo autoproclamado governante russo de Kherson tem também as particularidades de ser natural de Kherson e de ter sido deputado no Parlamento ucraniano. Foi eleito à data pelo partido (pró-russo) de Viktor Yanukovych, antigo Presidente da Ucrânia que foi obrigado a fugir do país na sequência da insurreição popular que ficou conhecida como movimento Euromaidan, e que aconteceu entre o final de 2013 e o início de 2014.