João Lourenço tinha prometido a devida homenagem a José Eduardo dos Santos e ela chegou este fim-de-semana. Mas, no primeiro dia das exéquias do antigo Presidente angolano em Luanda, o atual chefe de Estado — cuja reeleição está a ser contestada pela oposição — não marcou presença.

A multidão esperada pelas autoridades, que montaram um contingente de segurança apertado para evitar quaisquer “tumultos”, também não se materializou. A urna que transportava o ex-Presidente saiu do Palácio do Miramar às 8h30 da manhã (hora de Luanda), e foi colocada no carro enquanto algumas mulheres entoavam um cântico onde garantiam que “Angola chora a morte de Zédu”. A marcha fúnebre seguiu depois em ritmo lento pelas ruas da capital, mas foram poucos os cidadãos que se juntaram para assinalar o momento ao longo do percurso.

À medida que a coluna de carros oficiais, motas e até agentes a cavalo se aproximava da baixa de Luanda, contudo, mais angolanos se juntaram para ver o cortejo passar. “Adeus, papá!”, gritavam algumas pessoas ao carro que passava transportando o caixão de JES, coberto com a bandeira angolana. Uma mulher, captada pelas câmaras da Televisão Pública de Angola, limpava as lágrimas com um lenço amarrotado.

Quando a coluna chegou, por fim, à Praça da República, onde já estava montada uma tenda para a cerimónia de homenagem, eram já muitas as pessoas — na maioria jovens — que se aglomeravam para assistir ao momento em que a urna era retirada do carro. A maioria, porém, dispersou pouco depois.

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“Obrigado, herói da pátria”, cantou-se na Praça da República

A família presente na cerimónia — que não contou com a presença de vários dos filhos de José Eduardo dos Santos, como Isabel, Tchizé  (ambas atualmente com processos judiciais em Angola) e José Filomeno (que está em Angola, mas acabou de cumprir pena de prisão há pouco tempo) — entrou primeiro na tenda adornada com coroas de flores brancas.

A antiga primeira-dama, Ana Paula dos Santos, formalmente casada com JES mas de quem estava separada há anos, encabeçava a comitiva, ladeada pelos filhos, que seguia atrás da urna. O caixão foi depositado por militares, ao som da música de Leonard Cohen Hallelujah, numa versão interpretada pelo tenor Andrea Bocelli.

Sempre de óculos escuros, Ana Paula dos Santos sentou-se nos lugares reservados à família, onde foi recebendo os cumprimentos de vários oficiais do Exército, Marinha e Forças Armadas, que ali estiveram a prestar homenagem ao antigo Presidente. “As Forças Armadas choram”, assegurava um coro presente no local, que entoava um cântico que agradecia a Zédu “a conquista da independência, paz e reconciliação nacional”. “Obrigado, guerreiro. Obrigado, herói desta pátria”, acrescentavam os cantores.

Na tenda estavam presentes já alguns dos representantes das delegações internacionais que vieram às cerimónias — entre eles, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e o ministro dos Negócios Estrangeiros João Gomes Cravinho, que acompanharam parte da cerimónia. O Presidente angolano João Lourenço, porém, não foi. Quando o corpo de Dos Santos chegou a Luanda há uma semana — após a disputa de mais de um mês entre Ana Paula dos Santos e alguns dos filhos do ex-Presidente sobre onde se realizaria o funeral —, Lourenço foi ao velório: “Vergamo-nos e honramos a sua memória, defendendo e perpetuando a sua maior obra, a paz e a reconciliação nacional”, disse à altura. Agora, decidiu participar apenas no funeral que se realiza este domingo.

A urna de José Eduardo dos Santos permanece na tenda da Praça da República, aberta ao público, ao longo de todo este sábado. O objetivo do governo angolano é que os cidadãos que o desejarem possam ir prestar uma última homenagem ao homem que liderou Angola durante 38 anos. Três horas depois do início da cerimónia, porém, já não havia fila de anónimos para se aproximarem da urna, Ana Paula dos Santos e os filhos tinham partido e não se ouvia nenhum cântico. O corpo de Zédu, contudo, ali ficou. Praticamente sozinho.