A partir desta quinta-feira, 1 de setembro, a Comissão Europeia passa a ter presença física em São Francisco, na Califórnia. A escolha do local para instalar um escritório não é aleatória: é por lá que estão instaladas algumas das grandes tecnológicas que Bruxelas até já investigou ou até multou, da Google à Apple.

De acordo com uma nota da Comissão Europeia sobre estes planos, a inauguração desta espécie de “embaixada” europeia nos Estados Unidos resulta de uma vontade de “melhorar a diplomacia digital da União Europeia nos e com os Estados Unidos”. Através deste escritório, Bruxelas passa a ter um “centro global para tecnologia e inovação digital”.

Este escritório, que vai ter no “veterano” da Comissão Europeia Gerard de Graaf uma figura de proa, vai estar na alçada da delegação da União Europeia em Washington, a capital dos Estados Unidos. Além disso, este escritório vai ter uma “coordenação próxima com Bruxelas”, segundo a informação veiculada pela instituição europeia.

A ideia, de acordo com a nota da instituição europeia, passa pelo “reforço da capacidade da União Europeia de chegar a stakeholders públicos e privados, incluindo legisladores, setor empresarial e sociedade civil no setor tecnológico”. Embora a China tenha vindo a conquistar terreno no panorama digital ao longo da última década, algumas das principais empresas do setor estão sediadas nos Estados Unidos, daí o interesse neste estreitar de relações.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A lista de trabalhos de Gerard de Graaf em São Francisco terá, assim, como principal objetivo o desenvolvimento de relações com legisladores e tecnológicas, numa altura em que Bruxelas tem em mãos dois novos conjuntos de regras para o digital – a Lei dos Mercados Digitais e a Lei dos Serviços Digitais. Além disso, também continua em desenvolvimento um conjunto de regras para a inteligência artificial.

Estes dois atos legislativos, já aprovados pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho Europeu, têm como objetivo a criação de um ambiente digital que seja “mais seguro e transparente”. No caso da lei dos mercados digitais (em inglês, Digital Markets Act), a ideia passa pela regulação das práticas das gigantes tecnológicas, através da garantia de condições equitativas para as empresas digitais.

Por sua vez, a lei dos serviços digitais (Digital Services Act) pretende dar às pessoas um maior controlo daquilo que veem online. Bruxelas defende que este conjunto de regras irá melhorar “significativamente a remoção de conteúdo ilegal”, assim como o combate ao conteúdo prejudicial online, enumerando temas como a desinformação política ou a desinformação ligada à saúde.

Por isso, a presença física deste escritório terá como ponto central a transmissão destas novas regras às principais tecnológicas — um dos grandes alvos destes dois atos legislativos.

Especialmente desde que o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) entrou em cena, em maio de 2018, que o bloco europeu tem sido visto do outro lado do Atlântico como um regulador capaz de transtornar o negócio. E, de acordo com alguns críticos, a vontade europeia de legislar poderá ter consequências para a inovação.

UE dá luz verde final a novas regras para concorrência nas plataformas digitais

Quem é Gerard de Graaf, que estará ao leme deste escritório?

O holandês Gerard de Graaf é um “veterano” que já teve diversos papéis dentro da Comissão Europeia até ser nomeado para liderar este escritório em São Francisco. Ingressou na Comissão em 1991, rumando a São Francisco já com três décadas de trabalho em Bruxelas na bagagem.

Esta não é a primeira vez em que tem em mãos a ligação entre os dois lados do Atlântico já que, entre 1997 e 2001, foi conselheiro comercial na delegação da Comissão Europeia em Washington, com foco na área dos serviços financeiros, comércio eletrónico e proteção de dados.

Nos mais de 20 anos que se passaram entre estas duas estadias nos Estados Unidos muita coisa aconteceu, inclusivamente a expansão de tecnológicas como a Amazon, Meta, Alphabet ou a Apple, as poderosas big tech. Na altura em que este responsável europeu estava nos Estados Unidos, empresas como a Alphabet, dona da Google, estava a dar os primeiros passos; a Meta, antes Facebook, ainda não existia (só foi criada em 2004).

Regressou à Europa e, entre 2001 e 2005, Gerard de Graaf desempenhou funções como líder de políticas na área do mercado interno. Entre 2005 e 2010, foi responsável por coordenação de políticas na UE. Até ser nomeado este escritório em São Francisco, era diretor da DG Connect para áreas como comunicações eletrónicas, redes e serviços ou ainda cibersegurança.

Em declarações ao Wall Street Journal, o holandês refere que “há um interesse mútuo numa cooperação muito próxima”. De acordo com a informação que partilhou com o Wall Street Journal, os planos de trabalho dos próximos tempos vão incluir uma visita a Sacramento, já com o objetivo de reunir com legisladores locais e partilhar conhecimento sobre as políticas europeias e as leis estatais.