A presidente do Instituto de Cidades e Vilas com Mobilidade defendeu esta terça-feira que sem os Planos de Mobilidade Urbana Sustentável, os fundos comunitários apenas vão permitir medidas “avulsas” nos municípios, uma vez que “só 10%” os têm concretizados.
“Só 10% dos municípios portugueses têm PMUS — Planos de Mobilidade Urbana Sustentável. É uma negligência completa”, afirmou a presidente do Instituto de Cidades e Vilas com Mobilidade (ICVM), Paula Teles.
Paula Teles, que falava à Lusa a propósito da realização do congresso “Cidades que Caminham”, que se realiza no Porto a partir de quinta-feira, considerou que a falta de obrigatoriedade destes planos, por parte do Estado, levou a “um grande atraso” na implementação dos mesmos, bem como a “realidades muito díspares” entre municípios.
Na Europa, estamos já na terceira geração dos PMUS. Em Portugal, nunca tivemos uma obrigatoriedade do Estado. Nem obrigatoriedade, nem orientação que fosse determinada”, notou, defendendo que, nesta matéria, o Estado deveria ter assumido uma postura semelhante à que adotou com os Planos Diretores Municipais (PDM).
“Como aconteceu com os PDM, quem não tiver PMUS não pode ir aos quadros comunitários. A partir daí, as câmaras teriam de pensar de forma planeada, para não concorrerem às medidas setoriais de forma avulsa e depois nada articular, nada ligar”, referiu.
Destacando que tanto Lisboa como o Porto estão “muito evoluídas” nesta matéria, e que cidades como Viseu, Faro, Guimarães, Braga, Santarém e Nazaré estão a dar “passos significativos”, Paula Teles lembrou que, a lei de base do clima, aprovada em 31 de dezembro de 2021, determina que as “autarquias têm de elaborar os planos e que têm dois anos” para o fazer.
“Acreditamos que os dois anos que vêm aí são fundamentais. Isto vai ser feito. Agora, podemos perder o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) se não formos rápidos e a lei demorar. O PRR está à porta”, referiu.
E acrescentou: “estão muitas coisas a ser decididas no país em matéria de fundos comunitários e não temos a certeza se eles vão contemplar este pensamento”.
Lembrando que a mobilidade urbana sustentável se tornou “num foco fundamental”, a presidente do ICVM defendeu ainda que as estratégias a adotar têm de “estar refletidas nos envelopes financeiros” tanto das autarquias, como do próprio Estado.
“Estamos a falar disto há 20 anos. Estamos a ver todos os dias implementarem-se medidas que não promovem a mobilidade sustentável, que não promovem a saúde pública através da mudança de atitude”, observou, notando que a mobilidade “começa logo no passeio”.
“Se não tivermos um conjunto de pequenas obras, que começam no passeio em frente a casa até apanharmos um meio de transporte público, então vamos continuar a optar pelo carro”, referiu.
Para Paula Teles, essa mudança só será possível se “for articulada e pensada”.
“No dia 1 de janeiro de 2023 temos de começar com um conjunto de medidas nacionais bem colocadas e posicionadas”, afirmou, dizendo que em matéria de mobilidade urbana sustentável as autarquias se vão ter de afirmar como “uma grande máquina de gestão local”.
Se nas cidades a estratégia de mobilidade urbana deverá começar pelos passeios, considerou a presidente do ICVM, também nas aldeias a realidade não é muito diferente.
“Percebemos que há muitas aldeias que nem passeios têm e as pessoas não conseguem ir à missa, correios e outros serviços”, referiu, notando que também o transporte público flexível falha nestes territórios do país.
“A lei do regime jurídico dos transportes públicos já exige que não pode haver nenhum lugar com mais de 40 habitantes sem algum transporte público que o leve ao centro da vila ou cidade, mas isso é algo que não está implementado em muitos sítios, e nós temos de tomar essas medidas”, reforçou, considerando que a solução poderá passar por trabalhar em “ter cidades médias maiores”, como a Guarda, Covilhã, Évora e Viseu.
“Essas cidades têm de se afirmar como grandes territórios para captarem população para lá viver e ter um conjunto de infraestruturas. A mobilidade é um fator decisivo para essa transformação”, acrescentou.
Congresso pretende afirmar mobilidade como fator decisivo na humanização do território
O congresso Cidades que Caminham, que decorre na quinta e na sexta-feira no Porto, pretende afirmar a mobilidade urbana sustentável como fator decisivo para a “humanização do território” e “saúde pública dos cidadãos”, adiantou esta terça-feira a organização.
“Entendemos que deveríamos aproveitar esta rentrée em que, politicamente, ainda temos pouca estratégia definida ao nível das autarquias para afirmarmos a mobilidade”, afirmou à Lusa a presidente do Instituto de Cidades e Vilas com Mobilidade, Paula Teles.
O “desígnio” do congresso, que terá lugar na Fundação Manuel António da Mota, no Porto, é promover uma “jornada de trabalho”, ouvindo tanto “problemas políticos” como “problemas técnicos” associados à implementação de medidas de mobilidade urbana sustentável.
“Temos aqui uma grande oportunidade”, considerou Paula Teles, destacando que se a mobilidade urbana sustentável for “planeada” pode atuar na “humanização do território”, mas também na “saúde pública e vida ativa” dos cidadãos.
Segundo Paula Teles, o congresso vai também afirmar a necessidade de se “voltar a pôr as cidades a caminhar” e de tanto autarcas como políticos e técnicos começarem essa mudança pelos “passeios”, infraestruturas que, disse, “não podem ser barreiras arquitetónicas”.
“De que forma é que o nosso pé, enquanto protagonista máximo da mobilidade, vai favorecer a implementação de modos suaves?”, questionou.
E acrescentou: “temos de fazer uma alteração da geometria das nossas estradas porque elas passaram a ser ruas, passaram a ter pessoas e estão a passar a ter pessoas que querem caminhar e usar modos suaves”.
Ao longo do congresso vários vão ser os temas em destaque, como “O plano da mobilidade sustentável e a sua consequência na qualidade de vida dos cidadãos”, mas também os protagonistas, entre os quais a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, e os secretários de Estado da Mobilidade Urbana e da Administração Local e Ordenamento do Território.
Além de membros do Governo, os dois dias do congresso vão contar com a presença de cerca de 150 autarcas (entre presidentes de câmara e vereadores), mas também com o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, que no evento vai “explicar a importância do andar a pé e dos modos suaves na saúde”.
“Depois de tantos anos a falar sobre o mesmo e não termos tido a aceitação de que gostaríamos por parte de quem desenha e decide as obras públicas, achamos que é o momento de introduzirmos a componente da saúde de forma determinada”, esclareceu Paula Teles, defendendo que a aposta em mobilidade é também uma “solução preventiva” para a saúde.
A ideia passará por “mostrar aos autarcas e políticos que têm de gerir os fundos comunitários do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e do Norte 2030 que aqui está uma solução preventiva da saúde. Não é só curar os enfermos, é prevenir e planear as cidades de forma a que possam ser vivenciadas de outra maneira“, acrescentou.
Do congresso resultará a assinatura de um protocolo entre o instituto e a “Red de Ciudades que Caminan de Espanha” para que a rede seja implementada em Portugal, constituindo-se, a partir desse momento, como a Rede Ibérica das Cidades que Caminham.
“Vamos trabalhar em parceria com Espanha para trazer para cá os projetos que têm feito e a mudança de atitude”, adiantou Teles, dando como exemplo o trabalho que já está a ser desenvolvido no âmbito das zonas de carbono zero.
“Portugal ainda não está a falar disso e temos de criar rapidamente, até 2050, a pegada zero. Temos de trabalhar muito nessa ótica”, referiu, dizendo ser fundamental “inverter a pirâmide” para planear a mobilidade urbana sustentável.
“Andar menos de carro, utilizar mais os modos suaves, andar a pé ou de bicicleta, e conectá-los nos nossos pontos modais”, defendeu, concluindo que ser “fundamental” que possa “aprender com todos os problemas, mas também perceber” que há “uma enorme possibilidade de mudança”.