A França foi esta quarta-feira condenada pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) por se ter recusado a repatriar familiares de quatro “jihadistas” franceses detidos em prisões sírias.

“O tribunal decide que cabe ao Governo francês retomar a análise dos pedidos dos requerentes o mais rápido possível, dando-lhes as garantias adequadas contra o arbítrio”, indicou a Grande Câmara do TEDH, o órgão mais elevado da entidade, que tem a sede em Estrasburgo, França.

Na decisão, o tribunal pede que “o indeferimento de um pedido de repatriamento apresentado neste contexto deve poder ser objeto de exame individual […] por um órgão independente”, sem que seja necessariamente um órgão judiciário.

O Governo francês já reagiu e disse ter tomado nota da decisão e mostrou-se disponível para considerar novos repatriamentos “sempre que as condições permitirem”.

O Governo toma nota da decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos”, indicou num comunicado o Ministério dos Negócios Estrangeiros francês, sublinhando que a França “não esperou pela decisão do Tribunal para agir”, garantindo estar pronta para retomar as operações de repatriamento “sempre que as condições o permitam”.

Paris terá de pagar 18.000 euros a cada uma das famílias dos requerentes e 13.200 euros a título de custos e despesas.

“É o fim da arbitrariedade”, comentou, após a leitura do acórdão, Marie Dosé, uma das advogadas dos quatro requerentes, pais de duas francesas retidas em campos na Síria com as respetivas três crianças.

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As famílias pediram, em vão, às autoridades francesas o repatriamento dos seus parentes, antes de resolverem tomar a jurisdição europeia, acreditando que as suas filhas e netos foram expostos nos campos sírios a “tratamentos desumanos e degradantes”.

As duas filhas deixaram França em 2014 e 2015 para se juntar aos pais, na Síria, onde deram à luz três filhos.

Atualmente com 31 e 33 anos, as duas filhas estão detidas com os ‘jihadistas’ franceses desde o início de 2019 nos campos de Al-Hol e Roj (nordeste da Síria).

O TEDH concluiu que Paris violou o artigo 3.2 do Protocolo 4 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, um texto que estipula que “ninguém pode ser privado de entrar no território do Estado de quem é o nacional”.

No entanto, a TEDH não consagrou com este acórdão um direito sistemático ao repatriamento de nacionais, em particular ligado ao ‘jihadismo’.

O tribunal considera que os cidadãos franceses detidos nos campos do nordeste da Síria não têm direito a reivindicar o benefício de um direito geral ao repatriamento”, especifica-se no acórdão.

Por outro lado, pode ter de o fazer em “circunstâncias excecionais”, como quando está em causa a “integridade física” ou quando uma criança se encontra “em situação de grande vulnerabilidade”, como é o caso do presente processo.

“[A França] não podia proibir o acesso de cidadãos franceses ao [seu] território. […] Foram decisões arbitrárias” e Paris deve reexaminar os pedidos de repatriamento”, sublinhou saudou Marie Dosé.

A advogada lembrou que a França já havia sido condenada em fevereiro pelo Comité dos Direitos da Criança da ONU.

Na ocasião, o comité considerou que Paris “violou os direitos das crianças francesas detidas na Síria ao não repatriá-las”.

Marie Dosé pediu o repatriamento de todas as mulheres (cerca de 100) e crianças (cerca de 250) restantes.

O julgamento, que visa principalmente a França, diz também respeito a outros países membros do Conselho da Europa e aos respetivos cidadãos detidos na Síria.

À leitura do acórdão, feita pelo Presidente do TEDH, Robert Spano, assistiram os representantes da França e de outros países, como Dinamarca, Espanha, Noruega, Países Baixos, Reino Unido e Suécia.

Países como a Alemanha e Bélgica recuperaram a maioria dos ‘jihadistas’ e respetivas famílias que se encontravam detidos em prisões sírias.

No início de julho, a França trouxe de volta 35 menores e 16 mães, naquele que foi o primeiro repatriamento em massa desde a queda, em 2019, do “califado” do grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico (EI).