A edição deste ano do festival O Sol da Caparica, onde foram reportados “problemas” e “acontecimentos inesperados”, passou quase despercebida na primeira sessão da Assembleia Municipal de Almada depois das férias de verão. A reunião desta quinta-feira à noite, no Auditório do Centro Cultural e Juvenil de Santo Amaro, no Laranjeiro, foi dominada por outras questões mais prementes, sobretudo o realojamento urgente dos moradores do Bairro do 2.º Torrão devido ao risco de colapso de uma vala de drenagem e os problemas de funcionamento da Carris Metropolitana, que continuam a afetar o dia a dia dos almadenses, sobretudo dos alunos no regresso às aulas.

No decorrer da sessão, que começou pelas 21h15 com a intervenção dos cidadãos, apenas um dos seis munícipes inscritos e presentes na reunião abordou a questão do Sol da Caparica. Rute Sousa, que integra a assembleia da Junta de Freguesia da Charneca da Caparica e Sobreda pelo PSD, mostrou-se envergonhada “enquanto munícipe” pelo que se passou na edição deste ano do festival e pelo que foi dito pelo executivo durante a última reunião de câmara, durante a qual o executivo acusou os jornalistas de terem extrapolado o que aconteceu.

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“Pegando nas palavras que foram ditas [na reunião], chegámos à silly season. É dito por membros do executivo que foram os jornalistas que extrapolaram os problemas do Sol da Caparica. Enquanto cidadã, tive vergonha”, declarou Rute Sousa. Referindo-se aos vídeos partilhados nas redes sociais que mostram as baias de segurança a caírem em cima do público e pessoas a caírem “em cima umas das outras”, a munícipe lembrou ainda que um dos palcos, o dedicado à música eletrónica, teve de ser encerrado ao quarto dia. “E não foi por causa dos exaustores, mas porque o palco não era seguro. E ainda me preocupa mais quando é relativizado que uma banda tenha de ser escoltada pela RTP”, disse Rute Sousa, referindo-se ao incidente envolvendo Os Quatro e Meia, relatado pelo Observador num artigo publicado a 3 de setembro.

“Ter superado a programação não foi nada. Foi uma vergonha. Foi uma vergonha para este concelho o que se passou. E não foi para os promotores, mas para a câmara, que teve de fiscalizar [o festival]”, afirmou Rute Sousa, referindo-se novamente à última reunião de câmara, durante a qual Inês de Medeiros defendeu que a promotora Grupo Chiado cumpriu “em muito, até de mais quase, o que contratualizaram em termos de programação”. “Há um maior investimento e o festival piora cada vez mais. O que é que o executivo diz? Que foi espetacular, que os jornalistas é que estão a extrapolar a situação e que é a silly season. O que o executivo diz é que é a silly season”, concluiu a munícipe, questionando para que é que serve a avaliação que o executivo municipal diz que está a ser feita.

Na reunião de câmara de 5 de setembro, a presidente Inês de Medeiros garantiu que a polémica edição deste ano do Sol da Caparica foi “um sucesso”. Sem negar que houve problemas com alguns artistas, a autarca desvalorizou, no entanto, as notícias publicadas, afirmando que, apesar de a Câmara Municipal de Almada não gostar “de ver os relatos que vão surgindo na comunicação social”, “temos a sensação de que há aqui um gosto por uma notícia mais estrepitosa. Também estamos na silly season”. Outros membros do executivo municipal apontaram também o dedo à comunicação social, defendendo que os problemas ocorridos “não têm o peso” que esta lhes deu.

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Em resposta à intervenção de Rute Sousa esta quinta-feira à noite, Inês de Medeiros afirmou que se fazem “sempre avaliações”, porque é esse o “dever” da câmara “e para corrigir edições futuras”. “Mal da câmara e da organização que não faça avaliações de um festival como o Sol da Caparica! Em 2019 também houve um grande alarido e depois, justamente com todo o rigor, fizemos uma avaliação detalhada e identificámos o que estava mal e o que devia ser corrigido”, declarou.

Do lado dos deputados municipais, António Pedro Maco, do CDS-PP, foi o único que abordou o tema, salientando durante a sua intervenção que o seu partido está disponível para ajudar a esclarecer o que aconteceu durante o festival e que acabou por gerar uma polémica que se transpôs “para as televisões, a opinião pública, e que em nada dignifica a cidade e o festival”, que tem o apoio do CDS.

Requerimentos da oposição continuam sem resposta

Os requerimentos apresentados pelos partidos da oposição na Câmara Municipal de Almada sobre o festival O Sol da Caparica ainda não foram respondidos.

O deputado municipal do Chega, Nuno Mendes, pediu a 18 de agosto “informação” relativa à edição de 2022 e ainda não teve resposta, informou o presidente da Assembleia Municipal, José Joaquim Leitão, na abertura da sessão desta quinta-feira à noite. O mesmo aconteceu com os três requerimentos apresentados pelo deputado municipal António Pedro Maco, do CDS-PP, na sequência da polémica em torno do evento: o primeiro, de 16 de agosto, diz respeito ao “caderno de encargos e despesas com O Sol da Caparica” de 2022; o segundo, questiona sobre as “condições de segurança na edição de 2022” e foi remetido a 19 de agosto; e o terceiro, pede informações sobre “o relatório de segurança da edição de 2019 do festival, [tendo sido enviado] a 29 de agosto”.

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Continuam também sem respostas as questões enviadas pelo Observador à Câmara Municipal de Almada sobre o financiamento do Sol da Caparica. O Observador noticiou a 3 de setembro que, de acordo com seis contratos disponíveis na base de contratos públicos online, a autarquia investiu mais de 150 mil euros na edição de 2022, apesar de ter garantido numa resposta enviada por email que a sua contribuição para a realização do Sol da Caparica se limita “a um apoio financeiro quase simbólico ao produtor e a apoio logístico” desde que o modelo de produção foi alterado em 2019, na sequência do fim do contrato com a AMG Music, responsável pela organização do festival desde a sua criação, em 2014, no tempo do executivo liderado pela CDU.

A edição de 2020 do Sol da Caparica decorreu entre os dias 11 e 15 de agosto no Parque Urbano da Costa da Caparica. O festival deu que falar, não pelo número recorde de espectadores (30 mil por dia), mas por causa das queixas dirigidas à organização por parte de alguns músicos e do público. Tanto a promotora Grupo Chiado, responsável pelo evento desde 2019, como a autarquia têm procurado relativizar as queixas, garantindo que o evento foi um grande sucesso.