Na tarde de 16 de fevereiro de 1957, a Rainha de Inglaterra roubou um beijo ao Príncipe Filipe depois de uma separação de quatro meses, a mais longa desde o dia do seu casamento, 10 anos antes. O momento foi testemunhado pelos jornalistas que estavam na Base Aérea do Montijo. Ela de tailleur escuro, ele de fato discreto, reencontravam-se depois de o duque de Edimburgo ter partido em viagem a bordo da embarcação real Britannia, que passou pela Austrália, Nova Zelândia, Gâmbia e Gibraltar.
Reunidos em Portugal, os monarcas preparavam-se então para dar início à visita de Estado ao país, marcada para arrancar oficialmente dois dias mais tarde, a 18 de fevereiro. O Britannia estacionou nas águas do rio Sado para que o casal tivesse uma reunião privada que antecederia um itinerário meticulosamente preparado pelo Governo português. Mas antes de iniciar aquela que foi considerada pelos meios diplomáticos nacionais “a visita do século”, a jovem monarca — à época com 30 anos — dedicou algum tempo aos amigos que tinha por cá, nomeadamente a Domingos de Souza e Holstein-Beck e Maria do Carmo Pinheiro de Mello, duques de Palmela.
Os amigos portugueses
Ainda no dia 16 e acabado de chegar ao país, o duque de Edimburgo convidou o duque de Palmela para almoçar a bordo do Britannia, tendo já feito planos para o dia seguinte. “A rainha disse que gostaria de visitar o Palácio do Calhariz durante o dia 17, em que ainda estaria incógnita em Portugal”, conta ao Observador Sofia de Moser Leitão, modelo, ceramista, influenciadora digital e bisneta dos duques de Palmela. A sua avó, Maria José de Sousa e Holstein-Beck, conhecida como Zinha entre os familiares, é a mais nova de 11 filhos do casal. Tinha 23 anos na altura e ainda guarda algumas memórias da visita da rainha.
Domingos de Souza e Holstein-Beck foi embaixador português em Londres durante a Segunda Guerra Mundial. “Não era embaixador de carreira, era engenheiro civil, mas pelo seu nome e por ter sido educado em Londres e a minha bisavó também, achou o governo que seria a pessoa indicada naquela altura difícil para aquele cargo”, explica a bisneta. Nos anos que passou por lá, o casal travou amizade com a família real.
Em fevereiro de 1957, os duques de Palmela estavam a morar no Rato, em Lisboa, e foram de propósito para a Arrábida deixar tudo preparado a preceito no Palácio do Calhariz antes de receberem os monarcas. A 17 de fevereiro, como combinado e “debaixo de um temporal”, a rainha e o marido chegaram para almoçar pelas 13 horas no Rolls Royce que veio de Inglaterra. “Só estavam na visita os 11 filhos, genros, noras e a nanny que os educou, não queriam mais ninguém.” A acompanhar os monarcas, chegou também a Condessa de Leicester.
“A rainha tinha um ar muito fresco e jovem. Tomaram aperitivos e 15 minutos depois foram para a mesa.” Segundo recorda a filha mais nova dos duques de Palmela, citada pela neta, o casal real deixou os anfitriões “sempre à vontade na conversa”. Caricato é o facto de o casal português e os seus 11 filhos serem todos fumadores, ao contrário dos monarcas, levando a certa altura a rainha a comentar: “As neither of us smoke, we seem to forget others do” [Como nenhum de nós fuma, esquecemo-nos que os outros o fazem”].
Por volta das 15h30, Isabel II quis conhecer o palácio, mostrando sempre interesse em todos os seus pormenores. De seguida, e a seu pedido, os duques de Palmela e a avó Zinha partiram de carro para lhes mostrar a Serra da Arrábida, altura que a rainha aproveitou para fazer alguns registos fotográficos. Com esse passeio, terminou a visita privada do casal real aos seus amigos portugueses. No dia seguinte, desembarcariam do Britannia no Cais das Colunas pelas 11 horas da manhã, enquanto aviões a jato sobrevoavam em formação simétrica o Terreiro do Paço — como detalha o Observador num artigo dedicado inteiramente à primeira visita de Isabel II a Portugal.