A equipa que produz The Crown, a série da Netflix que retrata a vida da Família Real britânica durante o reinado de Isabel II, interrompeu o trabalho quando soube da morte da Rainha. “The Crown é uma carta de amor para ela e não tenho nada a acrescentar neste momento, apenas silêncio e respeito”, disse o seu criador, Peter Morgan, à altura.

Não tardou, porém, a que tudo retomasse o ritmo normal. A Netflix não alterou a data de lançamento e a nova temporada estará mesmo disponível em todo o mundo a 9 de novembro. Agora, a avaliar pelo relato do jornal britânico The Times (que teve acesso antecipado aos dez episódios), percebe-se que o conteúdo poderá não ser muito abonatório para Isabel II e para aqueles que a rodeiam, inclusivamente para o novo Rei, Carlos III.

O elenco volta a rodar nesta temporada, que retrata o período de 1991 a 1997, para refletir o avançar da idade das personagens. Imelda Staunton é a atriz que encarna Isabel II e o príncipe Filipe é retratado por Jonathan Pryce. O papel de príncipe Carlos cabe agora a Dominic West e Elizabeth Debicki é a nova princesa Diana.

Os quatro são as figuras principais de uma temporada que se debruça sobre o famoso “annus horribilis” da monarca, a braços com os divórcios de três dos seus filhos e o incêndio no castelo de Windsor, bem como todo o período até à morte de Diana. E a equipa de Peter Morgan não se coibiu de fazer algumas interpretações arriscadas, que podem não cair bem numa Família Real ainda a lidar com a morte de Isabel II e a ascensão de Carlos III. Quer saber quais são algumas das escolhas mais polémicas? Basta ler o resto do artigo, mas atenção: há, obviamente, muitos spoilers.

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Uma princesa Diana vigiada — e descontente

Numa temporada que acompanha em detalhe o ruir do casamento entre Carlos e Diana, não é de admirar que algumas das decisões mais ousadas sejam relacionadas com a “Princesa do Povo”. Uma delas, de acordo com o The Times, é o alinhamento com uma das teorias da conspiração mais populares: a de que, antes da sua morte, Diana estava a ser seguida pelos serviços secretos britânicos.

A série retrata vários momentos em que Diana parece estar a ser escutada ao telefone, com barulhos estranhos, e até um momento em que os travões do seu carro são cortados. “A Diana de Debicki é soberba, retratada como perdida, isolada e paranóica — mas com razões para isso”, escreve o jornal.

A implicação é a de que o Palácio de Buckingham estaria por detrás dessa vigilância do MI5 e de que Diana tem suspeitas disso mesmo. Um dos momentos ficcionados esta temporada é a de que a princesa teria participado numa sondagem telefónica sobre a monarquia — que aconteceu de facto, feita pela ITV — para votar contra a sua existência.

A amiga próxima de Filipe e a reação de Isabel II

Outra das liberdades artísticas desta temporada é a insinuação de que a relação entre o príncipe Filipe e a “sobrinha emprestada” Penny Knatchbull, que se conheceram quando ele tinha 58 anos e ela 26, era mais do que uma amizade próxima.

Que Filipe e Penny eram próximos não há dúvida, tanto que ela foi das poucas pessoas que não é membro da Família Real a estar presente no funeral do duque de Edimburgo. Mas a Netflix vai mais longe: retrata uma cena em que Filipe lhe confessa que ele e Isabel II “cresceram em direções opostas”, mostra o duque a dar-lhe o seu número de telefone pessoal e as mãos de ambos a tocarem-se prolongadamente.

Embora The Crown mostre Filipe a garantir à Rainha que a relação que mantém com Penny é de apenas amizade, a série não se inibe de mostrar a reação de Isabel II. Para combater rumores, em vez de afastar a jovem, a monarca decide trazê-la para um lugar ainda mais privilegiado dentro da Família Real. “Porque não vem comigo de carro até à Igreja em Sandringham, no Natal? Para matarmos isto à nascença”, diz a Penny uma Isabel interpretada por Imelda Staunton a certa altura.

O passado complicado de Carlos, retratado à melhor luz possível

Mas é claro que, com uma estreia a coincidir com os primeiros meses de reinado de Carlos III, são os momentos que se focam sobre o novo Rei que mais têm margem para polémica.

O primeiro prende-se logo com a famosa conversa que Carlos teve com Camilla envolvendo a referência a um tampão, plasmada na capa da Sunday People em 1993. A avaliação do The Times, porém, é que as promessas de Carlos de que gostaria de “viver dentro das calças” de Camila e de voltar noutra vida como “um Tampax” são enquadradas como parte de uma conversa telefónica próxima, numa “cena de afeto genuíno em vez de lascívia”.

Outra das características com maior margem para polémica desta temporada é a decisão de retratar Carlos como desejoso de substituir a mãe no trono — de tal forma que o guião especula mesmo sobre um possível encontro com o primeiro-ministro, John Major, em que o príncipe lhe sugere substituir diretamente a mãe com a sua ajuda.

Mas até esse momento é mitigado pela perceção que a série cria de que o príncipe alimentava uma relação conturbada com a mãe, onde esta talvez não saia tão bem na fotografia. “Se fôssemos uma família normal e a segurança social viesse visitar-nos, nós já teríamos ido para o sistema e tu para a prisão”, diz a certa altura o príncipe a Isabel II. Algumas cenas mais à frente, a própria monarca desabafa com o Arcebispo da Cantuária sobre os divórcios dos filhos e diz que, de facto, tantas separações começam a parecer fruto de “falhas parentais do pior tipo”.