A associação de lesados do Banco Privado Português (BPP) recorreu de uma sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que, em julho, declarou a “ineptidão da petição inicial” interposta em 2011 pela Privado Clientes contra o Estado.
Com o recurso agora interposto, a Privado Clientes diz ter por objetivo principal “chamar a atenção dos juízes desembargadores para o absurdo que é uma sentença com fundamento em ‘ineptidão da petição inicial’ ter demorado 11 anos para ser proferida”.
No recurso, apresentado em 28 de setembro, a associação de lesados do BPP considera que a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, datada de 5 de julho, “para não dizer que envergonha, macula e deslustra toda a jurisdição administrativa”.
Isto porque, salienta, “ao fim de 11 anos, a única coisa que consegue produzir-se é uma decisão puramente formal, completamente alheia ao fundo da causa, que considera inepta a petição inicial”.
“Do ponto de vista factual, das duas uma: ou o juiz só leu a petição ao fim de 11 anos, ou leu a petição quando ela entrou e demorou 11 anos a descobrir que é inepta. Não sei qual das duas situações é mais desprestigiante para a justiça portuguesa”, afirma o presidente da Privado Clientes, Jaime Antunes.
A Privado Clientes entregou em 2011 duas ações em tribunal, uma contra o Estado e outra contra o Banco de Portugal (BdP).
Na primeira (entretanto decidida e agora alvo de recurso) sustenta, entre outros pontos, que “o Estado privilegiou clientes estrangeiros em detrimento dos portugueses e o BPN [Banco Português de Negócios, nacionalizado em 2008] em detrimento do BPP (depósitos garantidos no primeiro e não garantidos no segundo)”, reclamando uma indemnização devido a esta “dupla discriminação”.
Já na ação contra o Banco de Portugal, que ainda decorre, aponta o facto de a instituição – que indicou a gestão provisória e, mais tarde, a atual Comissão Liquidatária do BPP – ter falhado a supervisão.
Na sentença proferida em 5 de julho, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa entendeu que havia uma “contradição entre a causa de pedir e o pedido” na ação interposta pela Privado Clientes contra o Estado, considerando que a autora “errou” ao não identificar os lesados que queria ver indemnizados.
“A ‘contradição’ que o tribunal recorrido imputa à petição consiste no facto de, diz-se na sentença, a autora, tendo pedido a condenação dos réus no ‘pagamento diretamente a todos os e a cada um dos lesados’, não ter feito a ‘prévia identificação de qualquer lesado'”, explica a associação.
Para a Privado Clientes, se o entendimento do tribunal é que a associação deveria ter identificado cada um dos lesados para poder pedir os pagamentos, “isto seria omissão ou uma mera insuficiência da petição inicial e, não propriamente dita, uma contradição entre causa de pedir e pedido, impeditiva do julgamento”.
“E – continua – mesmo que se assim fosse, o juiz deveria ter agido no início, dando cumprimento aos artigos 6.º, 2 do CPC e art. 590.º, 4 do CPC [Código do Processo Civil], no sentido de chamar a parte para sanar o suposto ‘defeito'”, argumenta.
Rejeitando haver na petição inicial qualquer “contradição” passível de determinar a sua “ineptidão”, a Privado Clientes reitera que, “mesmo que houvesse, roça o absurdo o facto de o tribunal demorar 11 anos a analisar o processo nesta fase tão preliminar, para só agora chegar a tal conclusão”.
“Uma nulidade, por definição, quando exista (o que não é o caso), corresponde a um vício ostensivo, que salta logo à vista, imediatamente reconhecível pelo julgador na primeira vez que leia a petição inicial”, sustenta, acrescentando que, “grosso modo, tal defeito acaba por impedir um raciocínio jurídico do julgador, impedindo-o de alcançar o julgamento do processo”.
Neste contexto, a Privado Clientes considera que o tribunal “saiu pela tangente” com a sentença proferida: “Fugiu do julgamento, não quis enfrentar o mérito da causa e, para tanto, alegou um vício processual – no caso inexistente”, acusa.
Recentemente, a associação Privado Clientes denunciou que os lesados do BPP poderão acabar por “não receber nada ou praticamente nada” devido ao pagamento “injustificado” de juros ao Estado por parte da Comissão Liquidatária (CL) do banco.
Num comunicado enviado em 2 de setembro à agência Lusa, a associação refere que “a CL do BPP contabilizou 160 milhões de euros de juros a favor do Estado, com o dinheiro dos credores”, porque, “apesar de dispor de quantia suficiente desde o início da sua atividade, em 2010, esperou mais de 10 anos para pagar ao Estado a totalidade da garantia bancária que este concedeu”.
Segundo então precisou, “a este valor acrescem ainda os custos contabilizados oficialmente da operação da CL, entre 40 e 50 milhões na sua totalidade”.
“A pergunta que todos fazemos é a seguinte: Se a CL tinha a capacidade financeira de pagar ao Estado, porque não o fez antes? Entre o pagamento dos juros e as despesas da CL, há o risco real de não sobrar nada para os lesados”, afirmava o presidente da Privado Clientes, Jaime Antunes, citado no comunicado.
O colapso do BPP, banco vocacionado para a gestão de fortunas, começou com a crise financeira de 2008 e culminou em 2010. Apesar da pequena dimensão do banco, a falência do BPP lesou milhares de clientes e o Estado, tendo ainda tido importantes repercussões devido a potenciais efeitos de contágio ao restante sistema quando se vivia uma crise financeira.
O fundador e antigo presidente do BPP, João Rendeiro, e outros ex-administradores do BPP foram acusados de crimes económico-financeiros ocorridos entre 2003 e 2008, na sequência de se terem atribuído prémios e apropriado de dinheiro do banco de forma indevida.
João Rendeiro morreu em 12 de maio numa prisão na África do Sul, onde estava desde 11 de dezembro de 2021, após três meses de fuga à justiça portuguesa para não cumprir pena em Portugal.