Toda a gente quer qualidade, oferta e a baixos custos, mas ninguém quer que as linhas elétricas passem pelo seu quinta, pelo concelho ou até pelo distrito. É sempre melhor se for no do vizinho. “E se continuarmos com esta forma de atuar não vamos ter rede em lado nenhum”. O desabafo foi feito pelo gestor de uma empresa que tem de construir nos próximos três a quatro anos mais 1.500 quilómetros de nova linha de muito alta tensão para absorver toda a oferta renovável que está a ser construída e planeada. Esta extensão implica acrescentar 15% à atual rede elétrica de transporte, afirmou o administrador da REN, João Conceição na conferência anual da APREN (Associação de Energias Renováveis) que se realiza em Lisboa nos dias 16 e 17 de novembro.

“É extremamente complexo conseguir licenciar rede de Muito Alta Tensão (MAT)”. E não só apenas devido às regras ambientais. “Vamos encontrando cada vez mais um certo efeito not in my backyard (quintal)”. Os problemas do licenciamento e a crescente oposição da opinião pública foram obstáculos destacados pelo gestor num painel dedicado aos desafios que a transição energética e a expansão das renováveis coloca às redes elétricas. E se neste painel, onde estava também o diretor-geral de Energia e o presidente da E-Redes (empresa da EDP que gere a distribuição em baixa, média e alta tensão), todos sublinharam que é fundamental reforçar a capacidade das redes de distribuição, o gestor da REN deixou um recado ao regulador da energia.

Citando uma recente entrevista do ex-presidente da ERSE (Jorge Vasconcelos) que insistia na mesma necessidade, defendeu que “não tem sido essa a mensagem que a entidade reguladora tem passado quando apresentamos os nossos planos de investimentos”. João Conceição remetia para pareceres passados da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos que recomendaram redução face a investimentos propostos para evitar impactos negativos na fatura final. Os investimentos nas redes de transporte e distribuição são regulados e passam ainda pelo Governo e agora pelo Parlamento.

O financiamento foi outro dos problemas identificados no painel. Para o diretor-geral de Energia, João Bernardo, o preço final da eletricidade tem de refletir a utilização — ou seja uma parte da fatura deverá ser paga pelos consumidores — mas pode e deve haver financiamento privado, nomeadamente fundos comunitários. Nem que seja para as componentes de inovação. Já o presidente da E-Redes, José Ferrari Careto, considerou que não deve haver “comportamentos de esquizofrenia” em que se pedem mais investimentos — porque a capacidade de “espremer” as redes para absorverem mais oferta é limitada — e estar preocupado apenas com o curto prazo. E só se consegue atrair investimento a mais longo prazo necessário, num horizonte de cinco anos, com taxas de rentabilidade atrativas.

O presidente da E-Redes apontou também para o que qualifica de um dos grandes desafios para os próximos cinco anos e que afeta promotores de energia renovável e operadores de rede: “Não há (em Portugal) recursos humanos para trabalhar nos projetos que temos”. E se se juntarem os projetos que estão em pipeline, com todo a pressão que a transição energética está a colocar na execução de investimentos por toda a Europa e mais a necessidade de reconstruir as infraestruturas da Ucrânia essa “capacidade vai esgotar-se rapidamente se nada for feito”.

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