Os dois, Presidente eleito do Brasil e primeiro-ministro de Portugal, quiseram que se vincasse no encontro desta sexta-feira, em Lisboa, o retomar das relações entre os dois países, depois do afastamento notório durante a presidência de Jair Bolsonaro — que saiu derrotado, à segunda volta, nas eleições do Brasil. A conversa a dois foi longa, mais de uma hora (em Belém, Lula da Silva já tinha estado outra hora com o Presidente Marcelo), e no final ambos falaram do fim do isolamento do Brasil, com António Costa a assumir mesmo: “Portugal tinha muitas saudades do Brasil e eu pessoalmente tinha muitas saudades do Presidente Lula”.
Vindo do Egito, onde esteve na conferência do clima da ONU, Luiz Inácio da Silva parou em Portugal para a primeira reunião bilateral depois da eleição de 30 de outubro. Costa assinalou o momento, depois de ter recebido o brasileiro em São Bento com um intenso abraço e o gesto do ‘L’ de apoio à candidatura de Lula.
“O mundo tinha muitas saudades do Brasil, precisava que regressasse à defesa dos valores da democracia, ao combate às alterações climáticas, à defesa do ambiente”, diria depois na conferência de imprensa conjunta onde brincou com Lula, na escolha de lugares e, entre risos, atirou-lhe: “Eu dou-lhe a esquerda”.
Por sua vez, o Presidente brasileiro eleito descreveu Portugal como um “parceiro histórico”. “É o nosso país irmão, a nossa pátria-mãe. Não podemos perder uma relação com este carinho”. Lula da Silva tem uma “certeza”: “Tenham a certeza de que o Brasil vai voltar a Portugal. Temos uma cimeira para fazer, um encontro da CPLP”.
Referindo que Chico Buarque vem a Portugal receber o Prémio Camões entregue em 2019, Lula da Silva diz ser uma “alegria” estar em Portugal e ser recebido por Costa e por Marcelo. “É uma demonstração de que o Brasil voltou ao mundo, voltou ao mundo para discutir os assuntos que são do interesse da Humanidade e do interesse do Brasil”. Com farpas para Bolsonaro, Lula da Silva diz que o país estava “isolado” — e que agora se abriu.
Portugal apoiará COP30 na Amazónia
Sobre a relação bilateral, o primeiro-ministro português disse que “há que recuperar o tempo que perdemos e em que estivemos afastados”: “Temos muito a fazer em conjunto”. E afirmou ainda que Portugal apoiará o Brasil na proposta para realizar a COP30 na Amazónia: “Contará com o nosso apoios”. “É uma causa global, não é uma responsabilidade do Brasil. Deve ser coletiva, de toda a humanidade”, justificou Costa.
“Temos de estar juntos na ONU e nas grandes causas globais e no esforço que é preciso fazer para nos aproximarmos da América latina em geral e do Mercosul. E assumiu mesmo este como “um virar de página”, registando que “há muito tempo” que não havia “uma bilateral ou uma reunião da CPLP”. Costa falou sempre sem nunca referir o ainda Presidente do Brasil (a posse de Lula é só em janeiro) Jair Bolsonaro.
Antes disso, Lula da Silva tinha anunciado que pediu à ONU para fazer a COP na Amazónia, algo que é uma prova de que o Brasil “voltou ao mundo político”: .”Fiquei muito emocionado no discurso durante a COP27, no Egito, o povo gritou comigo”, afirmou.
“Muito orgulhoso que o país tenha retomado a sua habitual atitude democrática de conviver com o mundo”, sublinhou, acrescentando que o Brasil “voltou à normalidade” — e “crescer e a gerar riqueza”: “Vou fazer com que o povo brasileiro conviva democraticamente na adversidade”.
A “divergência” entre os dois ficou para o futebol. Com o campeonato do Mundo a realizar-se agora no Qatar (o que ainda suscitou explicações por parte de António Costa), o primeiro-ministro afiurou que “a únia divergência com Lula é sobre quem vai ganhar a final”. Lula vê “hipóteses” para o Brasil, numa altura em que as restantes seleções não estão no seu melhor e em que “Cristiano Ronaldo não está a jogar como estava há 15 anos”.
Depois concluiu: “Se o Brasil não ganhar e Portugal ganhar, ficarei muito feliz”.
Manifestantes pró e contra na receção a Lula em Lisboa
Ao fim da tarde, à porta do Palácio de Belém, estavam manifestantes a apoiar Lula, mas também um grupo de apoiantes de Bolsonaro. Em São Bento, repetiram-se as mesmas manifestações.
A tensão entre as duas partes foi mesmo visível em Belém, pelo que os agentes da PSP acabaram por ter de recorrer a barreiras de segurança para separar os dois grupos. Do lado de Bolsonaro ouviam-se gritos de “Lula ladrão” e que “se for preciso, a gente acampa para o ladrão não subir a rampa”. Protestos que eram rebatidos pelos apoiante de Lula com gritos de apoio ao Presidente: “Aceite a vitória”.
Em Belém, Lula chegou antes da hora e ainda se cruzou com o Presidente de Moçambique Filipe Nyusi e estiveram os três reunidos ao mesmo tempo. Entretanto Nyusi saiu e Lula ficou, reunido à porta fechada, com Marcelo Rebelo de Sousa. No encontro, estiveram também Fernando Haddad, que foi candidato a governador de São Paulo (e em 2018 concorreu nas presidenciais contra Bolsonaro), e o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho.
Em São Bento, tanto o Presidente eleito do Brasil, como o primeiro-ministro português, estiveram acompanhados pelas respetivas mulheres, Janja da Silva e Fernanda Tadeu. Depois do encontro, António Costa ofereceu um jantar a Lula da Silva na residência oficial.