Enviado especial do Observador em Doha, no Qatar

– Todos pelo Ronaldo, não é?
– Eu é mesmo por todos mas sim, também por Ronaldo…
– A maioria é tudo para Ronaldo… Será ele a falar? Não, pois não?
– Diria que não mas também não sei…
– Ao menos se fosse o Cancelo ou o Bernardo…

A entrada para o Al Shahania SC Training Center só podia começar a ser feita às 16h mas já existiam dezenas de jornalistas (e um ou outro curioso como não poderia deixar de ser, daqueles que vem mesmo para tentar ver Ronaldo porque no caminho de Doha até aqui há sobretudo zonas desertas) junto à porta à espera. Uns, como uma cadeia de TV da Coreia do Sul, acabou inicialmente por ficar à parte por não ter feito o pedido de acreditação que é necessária na véspera perante o número superior de interessados para os lugares que existem na tenda para as conferências de imprensa. Outros, ou a maioria, entraram. E, como não poderia deixar de ser, com uma autêntica legião de britânicos a seguir a novela paralela ao início do Mundial.

Desde 2006 na Alemanha, quando Ronaldo se começava a destacar mais no Manchester United e estava numa Seleção que ainda tinha Luís Figo e Deco numa das suas melhores fases da carreira, que é normal a imprensa inglesa seguir o avançado. A partir de 2010, na África do Sul, juntou-se a armada espanhola. No Europeu de 2020, mais a turma italiana. Os ingleses mantiveram-se sempre, ainda que com menor presença. Agora, bateram recordes – e mais lugares existissem, mais tinham entrado. Até na sala de imprensa era fácil perceber onde se encontravam. Se dúvidas existissem, quando o primeiro viu os pastéis de nata que estavam junto à máquina do café a par de bolinhos de coco ou bolinhas de berlim, os outros agruparam-se também (os restantes jornalistas também não passaram ao lado da iguaria mas numa maior variedade de preferências). Um recordava-se do dia em que Carlos Carvalhal começou assim uma conferência do Swansea.

Também para eles, o escolhido, não sendo Ronaldo, foi quase a dedo. Bernardo Silva, um dos jogadores mais respeitados do Manchester City de Pep Guardiola e da própria Premier League, iria ser o protagonista do primeiro momento de contacto com a imprensa desde a chegada ao Qatar na véspera, com centenas de portugueses à espera junto ao Al Samriya Autograph Collection Hotel onde está concentrada a Seleção. Mas aquilo que o esquerdino deu foi quase um prolongamento do que costuma fazer em campo, a fintar perguntas sobre Ronaldo como se fosse um “adversário” e a colocar o enfoque sobretudo nas ambições de Portugal, sem deixar de ter uma opinião sobre tudo o que aconteceu na antecâmara do Mundial.

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– Muita ambição… Eh pá, isto está alto [falando do som do microfone de mesa]… Muita ambição, muito confiantes sabendo que estamos numa competição curta e imprevisível. É uma geração boa, os portugueses esperam muito de nós. Estamos prontos e viemos para ganhar, sabendo que é uma missão difícil.

“As notícias que vêm de Inglaterra não tem a ver comigo nem com a Seleção, tem a ver com o Cristiano. Temos uma geração diferente, jogadores diferentes. Há oito anos, em relação ao momento em que cá cheguei, acho que mudaram quase todos menos dois ou três. É uma geração muito forte, com todos nos melhores clubes e ligas. Contamos com o Cristiano mas quando não está sabemos responder, como tem acontecido. Estamos prontos, somos 26, não importa quem está porque vamos dar o melhor”, começou por dizer na primeira de muitas perguntas que colocaram o nome do capitão na berlinda da conversa. “A vitória contra a Nigéria dá mais confiança. Estamos a ganhar rotinas, sabendo que todos os jogos são complicados. Todos jogarão como se fosse o último jogo das suas vidas mas estamos confiantes”, destacou.

Contexto antes deste início do Mundial? É uma questão complicada porque sabemos o que aconteceu e não é fácil. Todos nós acreditamos nos direitos humanos, de todos os trabalhadores, na igualdade de direitos para todos, gostem do que quer que seja e façam o que quer que seja. Houve momentos que não correram da melhor maneira, com muita pena nossa, mas agora estamos concentrados para representar Portugal ao nível mais alto”, frisou Bernardo.

“Estou a jogar em várias posições. Sei onde me sinto melhor, os treinadores também sabem mas estou disponível para qualquer posição que possa ajudar a equipa”, explicou. “As sensações desde a chegada são boas, com calor, tudo ótimo. Boas condições, excelente receção. E já que insistem… Sinto-me melhor a jogar no meio mas estou disponível a jogar na posição em qualquer uma desde que possa ajudar a equipa”, acrescentou mais tarde, naquela que foi a última questão da imprensa nacional antes de… mais Ronaldo (sendo que só mesmo no final tiveram acesso a tradução porque o jogador falou sempre em português).

“Não sou jogador do Manchester United, é um clube rival, não tenho nada a ver com isso e estamos na Seleção, respondo a perguntas sobre Mundial. Tento pôr as minhas qualidades ao máximo para ajudar, quando comecei e isso ajuda. Não vejo nenhum ambiente estranho, nem com o Cristiano nem com o Bruno. É um assunto dele, não me diz respeito e tem de resolver com quem de direito, ainda para mais não sendo o meu clube. Vejo-o motivado, focado como todos nós e vejo-o ligado, é mais um para ajudar. Portugal tem um Mundial para disputar que é muito mais importante, não percebo o porquê de continuarem com as perguntas…”, atirou, dizendo pelo meio que se sente num melhor momento por ser um Mundial que se vai realizar a meio da temporada e não no final da mesma, com tudo o que isso acarreta a nível de desgaste.

A seguir, e durante 15 minutos, o primeiro treino no Qatar. Os motivos de interesse não foram propriamente muitos dentro de campo como é normal, com os jogadores a fazerem alguns exercícios de aquecimento num grupo que não contou com seis elementos que ficaram a fazer trabalho de ginásio (Diogo Dalot, António Silva, William Carvalho, Otávio, João Félix e André Silva). Já Ronaldo, o destaque dos jornalistas que não entraram na conferência mas correram para o treino e o motivo que levou a que alguns câmaras ainda se chateassem por questão de espaço, voltou aos trabalhos após ter falhado o particular com a Nigéria. A maior novidade, essa, acabou por ser mesmo o clima: se durante o dia o calor se fez sentir (e mesmo assim na véspera tinha sido pior), às 17h30 já caía a noite e com algum vento à mistura). Mas de frio nada, nem o tempo, nem a relação entre os jogadores presentes como ainda chegou a ser levantado na conferência.