Foi uma tarefa dos diabos para a Bélgica e certo é que os diabos dão-se sempre bem melhor no inferno. Quando o Canadá apresentou um belo paraíso futebolístico à Bélgica, as coisas ficaram difíceis para quem, habituado a temperaturas próximas do núcleo da terra, se viu envolvido por uma porção de frio do inverno de Toronto. As ideias ficaram congeladas. Não fosse Michy Batshuayi mascarar-se de Tocha Humana e nenhum belga saía ileso de uma patinagem inesperada.

O Qatar prospera em petróleo, mas foi com uma geração de ouro que a Bélgica chegou ao Mundial. Mas o ouro, neste caso, também enferruja. Lukaku (que falhou o jogo por estar a contas com uma lesão), De Bruyne e Hazard não duram para sempre e já começam a ser fruta madura para se aguentarem a valer num próximo Mundial. Por isso, os diabos vermelhos têm, em 2022, a oportunidade de conseguirem melhor do que já conseguiram.

Do outro lado, outra realidade: quando se tem saudades de algo, o melhor é trazer ao presente o que já se viveu no passado. Mas a saudade é um sentimento que é preciso aprender a definir. Em português, somos sortudos ao ponto de termos só uma palavra para classificar essa ansiedade. Outras línguas precisam de toda uma expressão para que as pessoas que as utilizam possam exprimir algo que poucas vezes gostam de sentir. Na seleção do Canadá, a nacionalidade portuguesa de Stephen Eustáquio e Steven Vitória ajuda os colegas a definir o que lhes vai na alma. Afinal, desde 1986 que o Canadá não estava num Mundial, naquela que foi a primeira e única participação da equipa na prova.

Para quem não andava por estas bandas há muito tempo, não se notou nenhuma dificuldade de ambientação. Bem pelo contrário. O Canadá parecia a seleção que não falhou nenhum Mundial nos últimos tempos, quando tem sido a Bélgica a brilhar por esses campeonatos fora.

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Com a Bélgica em 3-5-2 e com o Canadá em 3-4-3, a pressão dos canadianos à tentativa de saída curta da Bélgica resultou em recuperações de bola em zona alta que mantiveram a equipa no ataque. Jonathan David, a jogar como ponta de lança da seleção do Canadá, foi fulcral a negar linhas de passe dos centrais para Witsel, interrompendo o fluxo de jogo belga. Também Eustáquio foi importante, principalmente na marcação a Tielemans e nos rasgos técnicos que foi mostrando. No um contra um nas laterais, os canadianos, Alphonso Davies e Richie Laryea levaram a melhor frente a Castagne e Carrasco.

Courtois foi o jogador mais colocado à prova, mas mostrou que as redes da baliza belga vinham com seguro contra todos os riscos. Tajon Buchanan tentou a sorte (9′), Alistair Johnston (30′) também, Cyle Larin (80′), igualmente. No meio disto, ficou o maior problema do Canadá quando a sua maior estrela, em vez de brilhar, se eclipsou. Alphonso Davies (11′) dispôs de um penálti que não foi capaz de converter. Como um mal nunca vem só, antes do fecho da primeira parte, Michy Batshuayi marcou aquele que acabou por ser o único golo da partida.

A segunda parte mostrou uma Bélgica conformada com a margem mínima. Conformada mesmo com muito pouco para quem ficou no terceiro lugar na Rússia, em 2018.  O Canadá continuou por cima, mas com mais dificuldades para jogar em ataque organizado, ainda que sem comprometer a boa exibição que alcançou, apesar da derrota.

A pérola

  • Thibaut Courtois foi o gatekeeper da Bélgica e salvou os colegas de, no final dos 90 minutos, saírem do Estádio Ahmed bin Ali a lamentarem-se com um resultado negativo. Segundo dados levantados pelo playmakerstats, Courtois defendeu o primeiro penálti ao serviço da Bélgica e foi o primeiro guarda-redes natural do país a salvar um castigo máximo num campeonato do mundo.

O joker

  • Lukaku viu o jogo de fora devido a uma lesão na coxa esquerda. Para o lugar que normalmente é do jogador do Inter, entrou Michy Batshuayi que agradeceu a oportunidade com um golo num momento em que a Bélgica passava por dificuldades.

A sentença

  • O empate entre Marrocos e Croácia colocou mais peso em cima do Canadá. Se, à partida, já era tarefa hercúlea para Canadá e Marrocos intrometerem-se na luta pelo apuramento no grupo F, os resultados do dia beneficiam muito os africanos nessa ilusão e deixaram os canadianos a precisarem de caminhar muito para conseguirem avançar na prova.  Para a Bélgica, nada do que eram a expectativas iniciais da equipa se altera, embora ainda tenha que realizar dois jogos difíceis, onde se exige que mostrem um rendimento mais elevado.

A mentira

  • O resultado. Não reflete em nada a qualidade que o Canadá apresentou e que era merecedora de, no mínimo, pontos neste jogo. A equipa comandada pelo inglês John Herdman continua sem alcançar a primeira vitória num Mundial, feito que deseja conseguir nos próximos jogos.