Enviado especial do Observador em Doha, no Qatar

Ronaldo para um lado, Ronaldo para outro, Ronaldo em todo o lado. Nas costas da camisola, no número 7, em cachecóis, até com aquela cara de cartão com elástico para colocar à volta da cabeça. Mais uma vez era sobre o avançado que recaíam todas as atenções, os interesses, os apoios, as expetativas, as vontades. De portugueses que vieram do país chegando na véspera ou até mesmo esta manhã. Dos portugueses radicados no Qatar ou países próximos como Arábia Saudita ou EAU. De muitos mas muitos mesmo simples adeptos do futebol que podem ser da Índia, do Bangladesh ou do Nepal mas que, vivendo e trabalhando nesta altura no país (com aumentos que foram transversais a várias funções neste período do Mundial tendo em conta o aumento das necessidades), não podiam deixar de ver o seu ídolo ao preço que fosse. Mas havia mais.

Aquilo que o encontro inaugural frente ao Gana mostrou é que a Seleção tem uma figura reconhecida em termos mundiais mas que vive sobretudo daquilo que vale enquanto coletivo. Claro que rasgos como aqueles dois que Bruno Fernandes teve jogando nessa fase do 1-1 mais por dentro fizeram a diferença no plano mais individual mas foi enquanto equipa que Portugal respondeu ou falhou diante do conjunto africano. E foi para essas nuances, sobretudo para aquilo que a equipa fez mal antes da vantagem inicial e depois do avanço de dois golos, que Fernando Santos mais olhou antes da partida com o Uruguai esta segunda-feira.

“Contra o Gana, o que nos faltou para ser muito bom foi fazer mais durante 30 minutos. Foram muito bons, mas não foram muito, muito bons. Depois, já não pressionámos da mesma maneira, já não defendemos da mesma maneira… Eu jogo assim, neste sistema, porque eles sabem o que os jogadores têm para dar. Os jogadores têm total disponibilidade e demonstra isso nas conversas que temos. Volto a dizer: os jogadores têm liberdade mas sabendo que têm de reorganizar-se, sem nome e sem número. Em posse, criatividade total e liberdade total. A estreia num Campeonato do Mundo pesa um bocado, na primeira parte não soltaram a amarra. É por isso que jogo num sistema muito mais híbrido. Não me interessa se o Bernardo está a direita ou atrás, o Bruno ou Félix. Não me preocupo, até quero, mas sempre com segurança. Não pode é haver anarquia, perder a bola fácil… Sei que estamos a evoluir bem neste plano”, destacara o técnico.

“Temos de olhar para cada jogo e perceber onde podemos melhorar. Se pensarmos no playoff a seguir à Sérvia houve uma transformação clara; mesmo no jogo com a Espanha fomos uma equipa muito forte durante a maior parte do jogo. Isso faz parte do crescimento, de uma equipa que não se reúne assim tantas vezes para jogar. Melhorámos em muitos aspetos, veremos agora no jogo”, continuou, entre muitos elogios ao Uruguai: “Cavani e Suárez tinham menos cinco anos, era uma grande equipa, tal como acho o mesmo desta. Valores emergentes, muitos deles estiveram no Mundial. A matriz de jogo, pese a mudança de selecionador, não mudou assim tanto. Tinha jogadores mais potentes, a evoluir em 4x4x2. É uma equipa muito forte em termos de qualidade técnica, que sabe muito bem o que quer nos momentos do jogo, que joga bem em ataque rápido e coloca muito bem a bola nas costas. Em 2018 ganhou, mas podia ter perdido”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

À semelhança do que aconteceu nesse Mundial e do que tem marcado a era Fernando Santos, o selecionador foi sobretudo conservador nas opções para a segunda partida. Tendo em conta a dimensão física do meio-campo do Uruguai, poderia lançar João Palhinha no jogo com tudo aquilo que o jogador que soma nesta fase mais recuperações na Premier League emprestava ao jogo. Poderia lançar Matheus Nunes para ter uma outra verticalidade nas saídas rápidas. Poderia apostar em Rafael Leão para aproveitar a profundidade de uma defesa a três (confirmou-se mesmo essa previsão) que não é famosa pela sua velocidade. Ao invés, e à exceção das duas alterações por motivos físicos de Pepe e William Carvalho por Danilo e Otávio, trocou apenas de lateral na esquerda, com Nuno Mendes por Raphael Guerreiro. De resto, tudo igual no onze.

Aí, Fernando Santos esteve bem. Foi fiel ao que montou para o Mundial. Não “inventou”, percebendo bem os pontos fortes do Uruguai e tentando potenciar as mais valias de Portugal perante aquilo que poderiam ser as fragilidades contrárias. À exceção de uma lance de Betancur com a sorte de um ressalto à mistura, houve pouca baliza mas a Seleção foi melhor. No arranque da segunda parte, foi muito melhor e ganhou vantagem. E depois de um período em que quis desafiar a sorte (ou o azar) com William como ‘6’ e já desgastado, a partir do momento em que entraram Palhinha e Matheus Nunes o jogo acabou. Mais uma vez, no bom e no mau, Portugal mostrou que é uma equipa de sentidos, com sentidos e para os sentidos. E no Lusail aquilo que ficou foi o cheiro de Bruno para os grandes momentos (MVP de longe), a audição de Diogo Costa depois do erro com o Gana e um Ronaldo que bastou estar sem tocar na bola para ter o seu momento. Com outra nuance: esta equipa consegue ser bem melhor numa grande competição a meio de uma época.

O encontro começou mais mexido e agitado do que os mais céticos (e eram muitos, no contexto daquilo que poderia ser a abordagem ao jogo de ambos os conjuntos) poderiam pensar. Mais: a fazer de forma simples o que às vezes pode parecer complexo. O Uruguai conseguiu forçar João Cancelo a um erro ainda no primeiro terço, Mathias Oliveira combinou com Cavani, tau, tau, remate ao lado (3′). Portugal aproveitou também um lançamento de linha lateral de Nuno Mendes para Ronaldo fazer uma assistência com o peito, tau, tau, bola para o remate ao lado de William Carvalho (4′). As primeiras amarras de um jogo com vários ingredientes para andar preso estavam a começar a ser libertadas mas nem por isso esses sinais teriam um prazo de validades alargado, com a Seleção a ter mais bola e a celeste a jogar mais fechadas nas transições.

A ideia tática de Fernando Santos mantinha-se num prolongamento do jogo com o Gana, com essa nuance de William Carvalho fazer de quando em vez o duplo pivô com Rúben Neves quando a equipa necessitava e Bruno Fernandes mais vezes a cair na direita mas sempre em constantes trocas com Bernardo Silva para ver que terrenos pisavam e com João Cancelo, tal como Nuno Mendes, a tentar dar largura ao jogo. Ainda houve um remate de João Félix prensado em Giménez a sair para canto (16′), uns cantos à mistura, um remate de cabeça já sem força de Bruno Fernandes que estava adiantado na altura do cruzamento de Rúben Neves mas era pouco perante a densidade populacional criada pelo Uruguai à volta da área de Sergio Rochet.

A matriz, as ideias e a perceção de jogo que foi incutida por Óscar Tabarez ao longo de década e meia ainda vive com Diego Alonso e facilmente a equipa percebia quase em piloto automático os momentos em que devia baixar linhas até mais do que o normal e as fases em que defendia mais à frente para começar logo a condicionar a construção. Foi assim que, após alguns minutos da toca, o Uruguai apareceu para ter essa primeira grande oportunidade do jogo por Betancur, a perder no 1×0 com Diogo Costa (32′). Ainda houve depois um lance em que Ronaldo conseguiu aparecer na área nas costas de Godín para dominar no peito sem conseguir dar o toque para a baliza perante a pressão (37′) mas o intervalo chegaria sem golos e com a pior notícia para Fernando Santos: Nuno Mendes, que estava a ser o principal dínamo quando Portugal acelerava o jogo pelas laterais, caiu no chão com um problemas muscular e saiu em lágrimas.

Por aquilo que estava a fazer em campo e pela forma como estava o jogo, era daqueles jogadores que mais fazia falta à ideia de Portugal mas a entrada da Seleção na segunda parte colocou o encontro dentro da zona de conforto que Fernando Santos mais queria: a ganhar. Ainda houve antes um remate de João Félix numa transição rápida conduzida por Bernardo Silva que foi às malhas laterais (53′), o golo surgiria pouco depois em mais uma boa jogada de envolvimento pela esquerda com combinações curtas até ao cruzamento em arco de Bruno Fernandes que Ronaldo não chegou a conseguir desviar mas que foi em direção da baliza (57′).

A partir daqui, e nos minutos seguintes, o encontro mudou mesmo de características. Por mais do que uma vez Portugal conseguiu ter boas saídas que depois falhavam naquele pormenor ou último passe para darem finalização. Por mais do que uma vez o Uruguai conseguiu começar a chegar ao último terço, ainda que com cruzamentos que pouco ou nenhum perigo. A celeste tinha mais bola, desfazia a defesa a três colocando De Arrascaeta para dar mais chegada por trás dos dois avançados e assumia a inversão da feição da partida, Fernando Santos surpreendeu perante aquelas que costumam ser as decisões tipo nestes contextos com a saída de Rúben Neves (que parecia algo condicionado em termos físicos) e a entrada de Rafael Leão.

No plano teórico, a ideia passava por ter uma inversão de raciocínio e fazer o 2-0 quando o Uruguai dava sinais de que iria à procura do empate. E a primeira vez que Rafael Leão tocou na bola lançado por Ronaldo percebeu-se que havia espaços que até aí não tinham existido e que poderiam ser bem explorados. Contudo, ficou um buraco no meio-campo adensado pelo desgaste de William Carvalho. E a igualdade pairou no Lusail com Maxi Gómez a acertar no poste (75′), Luis Suárez a fazer uma recarga às malhas laterais numa segunda bola após livre lateral e De Arrascaeta a ver Diogo Costa encher mais uma vez a baliza quando o jogador do Flamengo surgiu isolado na área (79′). Depois, entraram João Palhinha e Matheus Nunes (além de Gonçalo Ramos, neste caso para o lugar de Ronaldo). E não mais esses sinais perigosos voltaram a existir, com o jogo a acabar com Bruno Fernandes a ver Giménez a cortar com a mão um lance individual seu para fazer o 2-0 de penálti (90+3′), a obrigar Rochet a uma grande defesa e a acertar ainda no poste.