O chefe do Estado-Maior das Forças Armadas de São Tomé e Príncipe pediu esta quinta-feira a demissão, denunciando “atos de traição” e condenando os “factos horrorosos” que envolveram a morte de quatro detidos após um ataque ao quartel-general militar.
“Acabei de entregar a sua excelência o Presidente da República e comandante supremo [das Forças Armadas] o meu pedido de demissão”, anunciou esta quinta-feira em conferência de imprensa o brigadeiro Olinto Paquete.
Citando o pedido de demissão que remeteu a Carlos Vila Nova, o responsável afirmou que, perante o assalto ao quartel-general militar por “um grupinho de indivíduos à paisana, com ajuda de militares do exército”, ocorrido na passada sexta-feira, a reação das Forças Armadas “foi pronta, mas demorada”.
“O nosso objetivo era a preservação da vida, o que durante a operação foi conseguido. Os factos posteriores, inexplicáveis, horrorosos, comprometeram tudo de bom que foi feito”, adiantou.
“Parece-me que foi uma encomenda, pois obedeceu a um plano criteriosamente estabelecido, culminando com a publicação de imagens [quarta-feira], pelas 18h00 [locais, a mesma hora em Lisboa], de coisas que eu não sabia porque me informaram com dados falsos”, disse.
O brigadeiro reconheceu ter prestado “informações falsas à nação” sobre a morte dos quatro detidos, que tinha justificado antes com ferimentos causados por uma explosão, no caso dos três assaltantes, e, no caso do suposto mandante do ataque Arlécio Costa – detido após o ataque pelos militares – por se ter “atirado da viatura”.
“Peço desculpas. […] A minha educação e a minha formação não me permitem aceitar tal atrocidade e atos de traição que lesam a pátria”, afirmou ainda, justificando desta forma o seu pedido de demissão, que ocorre poucas horas depois de uma reunião convocada pelo chefe de Estado com as altas patentes do exército, e com o primeiro-ministro, Patrice Trovoada, e o ministro da Defesa e Ordem Interna, Jorge Amado.
Esta quarta-feira foram divulgados nas redes sociais vídeos que mostram um detido — que viria a morrer –, deitado no chão, ensanguentado e com as mãos amarradas atrás das costas, a ser agredido por um militar com um pau, enquanto vários outros militares assistem. Outras imagens mostram detidos deitados ou ajoelhados no terreiro do quartel, com as mãos amarradas e com ferimentos.
No próprio dia do ataque e nos dias seguintes foram amplamente disseminadas imagens dos homens com marcas de agressão, ensanguentados e com as mãos amarradas atrás das costas, ainda com vida, e também já na morgue.
Esta quinta-feira de manhã, o Governo são-tomense anunciou ter feito uma denúncia ao Ministério Público para que investigue a “violência e tratamento desumano” de militares contra detidos após o ataque ao quartel-general das Forças Armadas.
O assalto foi classificado pelas autoridades são-tomenses como “uma tentativa de golpe de Estado” e condenado pela comunidade internacional.
Nas primeiras horas após o ataque, os militares também detiveram, na sua casa, o ex-presidente da Assembleia Nacional Delfim Neves, alegadamente identificado pelos atacantes como outro mandante do assalto.
Delfim Neves foi libertado na segunda-feira, após ter sido presente à juíza de instrução criminal, com apresentação periódica às autoridades e termo de identidade e residência, negando qualquer envolvimento com este ato, que descreveu como “uma montagem” para o incriminar.
Portugal enviou, a pedido de São Tomé, uma equipa de investigadores e peritos da Polícia Judiciária e uma médica perita em patologia forense, que irá colaborar com as autoridades judiciárias são-tomenses nas investigações.