Enviado especial do Observador em Doha, no Qatar

Há quatro possibilidades em conferências de imprensa na véspera do jogo a nível de organização de todos os intervenientes. Hipótese 1: jogador e treinador sentam-se logo na mesa e recebem perguntas sem uma ordem específica (ex: Coreia do Sul). Hipótese 2: jogador e treinador sentam-se logo na mesa falando primeiro o jogador e depois o treinador (ex: Portugal). Hipótese 3: primeiro fala o jogador sozinho na mesa, só depois entra o treinador para falar (ex: Argentina). Hipótese 4: há uma ordem pré-estabelecida mas além de jogador e treinador também vai o adjunto (ex: Brasil). À partida, estava tudo fechado. Não, afinal não, existe mesmo uma quinta via apresentada pela Espanha que se percebe porque o treinador tem pinta de jogador.

Vamos passar a parte das sessões no Twitch que são simplesmente uma coisa que pode ser estranha de início mas que se entranha num instante e muito facilmente se torna um vício. Sempre de esferográfica na mão direita apesar de nunca ter chegado a tirar notas, Luis Enrique é o primeiro a falar e escreve outro capítulo daquilo que a imprensa não estava propriamente muito habituada. Sem ser rude, sem ser excessivamente bruto, não tem qualquer problema em apontar quando uma pergunta não faz sentido (no seu entender) com a expressão “Esse é outro topicazo e desconstruir a mesma com um pressuposto que se pode resumir ao que se passou na derrota com o Japão: “Não sou um especialista em matemática mas se jogámos três jogos de 90 minutos mais descontos, são 270 mais esses descontos. Vocês resumem à parte negativa de dez minutos em que eles foram melhores. E sim meus senhores, vai haver mais períodos assim, é futebol”, atira.

Houve mais tiradas daquelas que merecem ficar escritas. Muitas mais. E histórias, sempre umas histórias a pintar todo um quadro pelo meio. “Um dia estava numa equipa em que todos os jogos levávamos um golo de bola parada. Treinávamos, tentávamos corrigir, jogo a seguir mais. A certa altura deixou de estar a treinar isso e pumba, parou, não sofremos. O futebol é assim, os erros vão sempre existir”, disse a certa altura. “O futebol são 11 jogadores de cada lado, um treinador e um terreno enorme… É engraçado, quando nós ganhamos compram o nosso estilo mas quando perdem já não. Sou um utópico mas prefiro o processo ao resultado porque assim ficamos mais perto do resultado. Não queremos só ganhar, queremos que as pessoas se divirtam, que tenham o resultado mas uma maneira bonita. E o treino é assim, com muita bola”.

Quando a pergunta é feita em francês, tem de recorrer ao phone da tradução. Em árabe, idem. Em inglês, aí, não só dispensa como responde da mesma forma. Um indício do que poderá ser o futuro do técnico? Há quem diga que sim e não são assim tão poucos. Para já, o foco é a seleção e todos os pormenores que possam fazer a diferença nesta fase a eliminar. “Como na concentração não há tempo, pedi a todos os jogadores para treinarem 1.000 penáltis. Não é uma lotaria, é um momento de tensão, mas se treinares a forma como bates estará mais rotinada”, explicou, antes de esclarecer onde estava afinal o jogador, Pedri.

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– O Pedri já aí vem. Aliás, até está ali. É tão bonzinho, não me quer tirar a popularidade…

Melhor apresentação seria impossível para aquele que está destinado a ser o próximo Iniesta do futebol espanhol para corrigir aquilo que faltou ao verdadeiro e único Iniesta: ser considerado o melhor do mundo. O tipo de futebol até pode ser diferente em alguns pontos e uma fotocópia noutros, pode também haver um Gavi que tem vindo a ganhar um protagonismo crescente na equipa, mas não há nada como a maneira de ser do jogador das Canárias que um dia saiu do Las Palmas para ser reprovado pelo Real Madrid mas que caiu no goto do Barcelona para passar apenas em dois anos de um valor de mercado de oito para 80 milhões e com uma cláusula de rescisão do contrato assinado recentemente de mil milhões de euros. Andamento não lhe falta depois de uma época de 2020/21 em que fez mais de 70 jogos com Europeu e Jogos Olímpicos à mistura num total de 5.100 minutos que ficaram como uma apresentação que não mais será esquecida.

Avesso a muitos holofotes, discreto por maneira de ser mas craque por decreto no futebol (e em qualquer outra modalidade que quisesse entrar), Pedri, aquele que há uns tempos ainda estranhava quando lhe pediam um autógrafo ou uma fotografia em Barcelona, confessou em entrevistas ao Mundo Deportivo e outra ao La Vanguardia o sonho de trocar a camisola com Lionel Messi na final do Mundial. Antes, segue-se a partida com Marrocos depois de uma derrota. E até no discurso sem grandes rodriguinhos vem Iniesta à cabeça, um pouco mais alto, com mais cabelo e a começar todas as respostas por “Bueno…”.

“Sabemos que Marrocos tem muita qualidade, muitos são jogadores que estão na elite. Vai ser difícil, eles passaram o grupo em primeiro e estiveram bem. Vai ser difícil no meio-campo porque eles não vão dar muitos espaços por saberem que gostamos de ter bola, vão apertar aí. Estamos preparados para isso. Estou a sentir-me bem, a jogar com gosto. Sinto-me bem neste estilo, divirto-me, jogo numa posição onde toco muito na bola. O deslize que tivemos deu a oportunidade de corrigirmos algumas coisas. Confiamos em nós e isso é o melhor que podemos fazer. Acreditamos que vamos fazer um bom jogo”, salientou.

Para o final ficaria a pergunta para lançar Pedri na profundidade e tirá-lo da zona do tiki taka de respostas: o que acham os jogadores da seleção das prestações de Luis Enrique no Twitch. “Estamos contentes, nota-se que ele está a gostar porque é alguém muito espontâneo, que gosta de fazer aquelas coisas. Às vezes até nos juntamos todos para ver e ainda nos rimos um bocado…”, confessou o médio ofensivo de 20 anos.