O analista político Ebenezer Obadare considera que as recentes eleições na Guiné Equatorial foram “uma farsa” em que o Presidente, Teodoro Obiang, “não corria risco de perder”, e que a oposição “fantasma” não tinha expectativas contrárias.

“Não há nada de inesperado no resultado da eleição. O que teria sido uma surpresa é se a oposição fizesse alguma incursão insignificante. Na verdade, não há processo eleitoral para comentar na Guiné Equatorial porque estamos a falar de um Estado unipartidário e de um homem só que manteve um controlo rígido sobre a imprensa e a sociedade civil em geral”, defendeu, em declarações à Lusa, Obadare, analista político do “Council on Foreign Relations”, um “think tank” sediado em Nova Iorque e voltado para a política externa e assuntos internacionais.

Em causa estão as eleições gerais de 20 de novembro, que deram ao Presidente Teodoro Obiang – no poder há mais de 43 anos – uma polémica vitória, validada pelo Tribunal Constitucional do país, que o reelegeu com 94,9% dos votos para um sexto mandato de sete anos.

Obiang reeleito Presidente da Guiné Equatorial com 94,9% dos votos

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Em entrevista à Lusa, Obadare, especialista em Estudos Africanos, avaliou que a classificação do regime de Obiang como um dos mais repressivos e corruptos do mundo por parte de Organizações de Direitos Humanos “é precisa”, mas manifestou dúvidas em definir como “fraude sistemática” o processo eleitoral do país, uma vez que “não existiu um processo eleitoral real”.

“A descrição do regime em Malabo como repressiva e corrupta é precisa. Não tenho certeza se a fraude sistemática capta o que aconteceu, pois implica que haja um processo eleitoral real para falar. Não existe tal coisa. É uma farsa de uma eleição em que Obiang não corria o risco de perder, e a oposição, o fantasma dela que o Estado permite existir, não tinha expectativas”, frisou.

De acordo com o analista, a corrupção em países como a Guiné Equatorial pode ser combatida com eficácia e países como os Estados Unidos da América (EUA) e outras nações ocidentais “podem ajudar”.

“A mudança não será alcançada da noite para o dia, dada a complexidade da situação, mas as potências ocidentais podem comprometer recursos para fortalecer as instituições locais não-estatais dedicadas à transparência e ao Estado de Direito”, observou.

Teodoro Obiang, de 80 anos e o Presidente com mais tempo no poder no mundo, desde 1979, recebeu 405.910 dos 411.081 votos válidos como candidato do Partido Democrático da Guiné Equatorial (PDGE), que participou nas eleições em coligação com 14 formações políticas.

Depois de reeleito em 2016 com 93,7% dos votos, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo parecia estar, nos últimos anos, a preparar um sucessor, um dos seus filhos, o vice-presidente Teodoro Nguema Obiang Mangue, também conhecido por “Teodorin”, célebre o pelo seu estilo de vida luxuoso e condenado em França no caso dos “ganhos ilícitos”.

Mas os caciques do poder, bem como a guarda próxima de Teodoro Obiang, pensaram que era demasiado cedo e provocador impulsioná-lo oficialmente como sucessor, numa altura em que a queda nas receitas dos hidrocarbonetos desde 2014 e a pandemia de Covid-19 estavam a tornar o país ainda mais dependente da ajuda e do financiamento externo.

O PDGE decidiu então, contra todas as probabilidades, não fazer nenhuma nomeação, apenas dois meses antes das eleições que o chefe de Estado tinha antecipado.

Ebenezer Obadare afirmou à Lusa que “parece que a Guiné Equatorial permanecerá sob o domínio da família Nguema no futuro previsível”. No entanto, salientou que a política baseada na família não é exclusiva do país.

Num artigo publicado no Council on Foreign Relations, intitulado “Pais e Filhos”, o analista foca-se na crise iminente de sucessão em vários países africanos, que, na sua visão, indica “uma persistência preocupante do paternalismo político movido pelo ego”.

Entre os vários países africanos em que governantes parecem preparar os seus filhos como seus sucessores imediatos, Obadare indicou o Uganda, Guiné Equatorial, Camarões, República do Congo e Eritreia.

“A questão aqui vai além da mera sucessão. O que está em jogo é a “auto-sucessão”, uma busca – impulsionada pelo ego – pela imortalidade política, pela qual os praticantes parecem estar dispostos a sacrificar o próprio sistema”, avaliou Ebenezer Obadare.

“Além de embrutecer as instituições democráticas, essa personalização do poder incentiva a corrupção, um padrão comum nos cinco países. Além disso, a sua inevitável dependência de patrocínio para separar ‘amigos’ de “inimigos” aprofunda o rancor político”, acrescentou.