O percurso da Croácia no Mundial do Qatar tem sido uma recordação constante de que passaram quatro anos desde que os croatas chegaram à final contra França: empates sem golos com Marrocos e Bélgica, goleada ao Canadá, vitória tangencial nas grandes penalidades frente ao Japão. Já o percurso do Brasil no Mundial do Qatar tem sido uma recordação constante de que já passaram 20 anos desde que os brasileiros foram campeões do mundo: goleadas à Tunísia e à Coreia do Sul, vitórias contra Sérvia e Suíça e uma derrota com os Camarões e com as segundas linhas.

Esta sexta-feira, no primeiro jogo dos quartos de final do Campeonato do Mundo, o percurso dos croatas e o percurso dos brasileiros cruzavam-se. Zlatko Dalić lançava Pasalic, Kramaric e Perisic no trio ofensivo, com os habituais Modric, Brozovic e Kovacic a serem os responsáveis pelo meio-campo, e Tite respondia com Neymar, Vinícius e Raphinha no apoio a Richarlison. Os quatro atacantes do Brasil, precisamente, têm estado no olho do furacão devido à forma como celebram os golos, entre danças e coreografias — o selecionador até participou numa das últimas, contra a Coreia do Sul, e voltou a defender os jogadores na antevisão dos quartos de final.

“Não vou responder a quem não conhece a história e a cultura do Brasil, o jeito de ser das pessoas. Respeito a cultura e a minha forma de ser, assim como a da seleção para a qual trabalho. É a cultura brasileira, não desmerece nenhuma outra equipa. É a nossa forma de ser. Aqueles com quem trabalho e que realmente me conhecem sabem que, se tiver de dançar, vou dançar. Só tenho de treinar mais. O pescoço é duro”, brincou Tite, que não contava com os lesionados Gabriel Jesus e Alex Telles, que deixaram mesmo a concentração no Qatar.

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Numa primeira parte que terminou sem golos, Vinícius teve a primeira oportunidade do jogo com um remate que Livakovic defendeu (6′) mas a verdade é que a Croácia empurrou o Brasil para o próprio meio-campo durante grande parte dos 45 minutos iniciais. Os brasileiros não conseguiam esconder as debilidades defensivas que já ficaram notórias nos jogos anteriores e os croatas poderiam ter inaugurado o marcador em várias ocasiões — incluindo num lance em que Perisic atirou por cima no coração da grande área (14′).

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O Brasil equilibrou as dinâmicas a partir da meia-hora, subindo as linhas e conquistando mais espaço no meio-campo adversário, mas não apresentava a criatividade necessária para desbloquear a organizada defesa da Croácia. Neymar ainda assustou com um livre direto que Livakovic encaixou (43′) mas a verdade é que a partida chegou ao intervalo algo aborrecida e com falta de intensidade de parte a parte.

Nenhum dos treinadores fez alterações ao intervalo mas Tite só precisou de esperar 10 minutos para trocar Raphinha por Antony. O Brasil entrou melhor na segunda parte, ficando muito perto de marcar logo nos instantes iniciais com Gvardiol a evitar por pouco um autogolo (48′) e Livakovic a parar um remate de Neymar (56′), e a Croácia teve como principal mérito o facto de continuar a defender de forma admirável. Os brasileiros estavam perdulários e pouco assertivos, é verdade; mas os croatas permaneciam impenetráveis, com especial inspiração do guarda-redes. No fim, o equilíbrio de forças levou tudo para prolongamento.

Ainda na primeira parte do prolongamento, porém, o equilíbrio de forças foi desmontado. Neymar pegou na bola ainda perto do meio-campo, combinou com Rodrygo para depois combinar com Paquetá e entrou na grande área para tirar Livakovic da frente e abrir o marcador (105+1′). O Brasil baixou as linhas, a Croácia colocou o coração a frente da razão e fez o que parecia impossível: empatou. Petkovic marcou a quatro minutos do fim do prolongamento (116′), também na conclusão de uma grande jogada, e atirou tudo para as grandes penalidades.

Aí, Livakovic voltou a ser decisivo. O guarda-redes croata, que já tinha defendido três penáltis contra o Japão, parou o remate de Rodrygo e viu Marquinhos acertar no poste — em sentido contrário, Vlasic, Majer, Modric e Orsic não falharam e colocaram a Croácia nas meias-finais pelo segundo Mundial consecutivo, ficando agora à espera do vencedor da partida entre Países Baixos e Argentina. Do outro lado, o Brasil voltou a falhar o sonho do hexacampeonato e terá de esperar mais quatro anos para tentar novamente.

A pérola

  • Três penáltis contra o Japão, um penálti contra o Brasil, dois apuramentos. Dominik Livaković voltou a ser crucial para a Croácia nas grandes penalidades mas, esta sexta-feira, a derradeira decisão só serviu para coroar uma exibição que já tinha sido brilhante. O guarda-redes do Dínamo Zagreb parou praticamente tudo, sendo traído somente pelo lance de génio de Neymar, e tornou-se o segundo com mais defesas neste Campeonato do Mundo (apenas atrás de Szczęsny, da Polónia).

O joker

  • Como não? Bruno Petković entrou a um quarto de hora do fim, protagonizou um lance brilhante já no prolongamento ao tirar dois adversários da frente antes de assistir Brozovic e acabou por ser recompensado com o golo decisivo, a quatro minutos do final dos já extraordinários 120. O avançado do Dínamo Zagreb levou a Croácia até às grandes penalidades e, vindo do banco de suplentes, tornou-se o herói improvável da equipa de Zlatko Dalić.

A sentença

  • Mais um ano, mais uma desilusão. No Qatar, o Brasil chegou em festa, esteve quase sempre em festa e jogou em festa, num contexto que tornava fácil acreditar que chegaria mesmo à conquista do título. O momento positivo de Neymar, a qualidade de Richarlison, Antony e Raphinha e a ideia de que Tite poderia mesmo despedir-se com o incrível hexacampeonato esbarrou no pragmatismo da Croácia. Daqui a quatro anos, no próximo Mundial, o sonho regressa.

A mentira

  • Não, este ainda não foi o último jogo de Luka Modric num Campeonato do Mundo. O médio do Real Madrid continua a liderar a Croácia, jogou 120 minutos ao mais alto nível e ainda assumiu a responsabilidade de marcar uma das grandes penalidades, sendo novamente a figura maior de uma equipa que vai disputar as meias-finais de um Mundial pela segunda vez consecutiva.