Quando li a notícia do Observador, pasmei. A Câmara Municipal de Lisboa, com o apoio do Governo, está a construir na Avenida da República, em Lisboa e na sua envolvente, casas ditas de renda “acessível”, que vão custar até 400 mil euros.

A sucessão de episódios a que assistimos nos últimos anos, começa a fazer sentido.

Primeiro, a Câmara Municipal de Lisboa recebeu do Governo vários edifícios que eram da Segurança Social, situados no centro da cidade, a preços abaixo dos praticados pelo mercado e em condições que o próprio Tribunal de Contas qualificou como sendo “em detrimento da receita e consequente sustentabilidade da Segurança Social”. Por outras palavras, prejudicaram o nosso fundo de pensões.

Seguidamente, através de uma operação inédita, o Governo usou o programa 1º Direito dirigido a famílias que vivem em condições habitacionais indignas para financiar estas obras.

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E, agora, anuncia que a dita “bazuca”, irá pagar este tipo de operações a 100% a fundo perdido!

Se respeitassem os critérios que há décadas regem a denominada “habitação de custos controlados”, seria possível multiplicar por quatro a seis vezes o número de casas que se faria com este dinheiro. Quando analisamos os acordos do 1º Direito anunciados pelo Governo no último ano, podemos concluir que o valor médio do investimento previsto, por cada habitação, é inferior a 65 mil euros.

Ora, no caso da Av. da República, mesmo tratando-se de operações de reabilitação de edifícios mais complexas, bastaria o critério do bom-senso, para perceber que a esmagadora maioria dos portugueses não tem recursos, nem condições, para comprar uma casa que custa 65 mil euros, ou até menos. E a justificação do reforço sísmico é uma estória muito mal contada, que não explica este empolamento de custos. Aliás, bastaria uma avaliação prévia minimamente rigorosa para se “adivinhar” os valores excessivos a que chegaram.

O que o Governo e a Câmara Municipal de Lisboa estão a fazer na Avenida da República não é habitação “acessível”, nem casas com rendas “acessíveis”. É um gigantesco insulto à inteligência dos lisboetas, uma total desfaçatez a desbaratar dinheiro público, um péssimo exemplo para outros municípios que têm direito a exigir igual tratamento e um enorme dano reputacional à política pública de habitação de Portugal face aos seus parceiros europeus, em especial num momento tão sensível como o que vivemos com a instabilidade em torno da concretização dos financiamentos do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR).

Quem conhece a história das políticas públicas de habitação dos países da Europa desde meados do século XIX e as nacionais desde o início do século XX, sabe que, desde a formulação dos bairros operários, passando pelas casas económicas, pelas casas de renda económica, pela habitação social, até à habitação de custos controlados, houve sempre a preocupação de encontrar as melhores soluções entre qualidade e custo, tendo sempre presente que por maior que fosse a quantidade de casas que se produzisse, esta era insuficiente face às carências existentes.

Não foi por acaso, que o livro publicado em 2013 de homenagem ao Arquitecto Nuno Teotónio Pereira, um dos grandes mentores do modelo das Habitações Económicas em Portugal, se intitulou “Habitação para o maior número”. Então, nos anos 50, como depois nos anos 70, 80 e hoje, sabia-se que era necessário equilibrar as respostas entre qualidade e quantidade, sem abdicar de padrões que uma família precisa para o seu conforto, privacidade, segurança e habitat.

Infelizmente, o que agora vemos em Lisboa é a apologia da habitação para uma meia dúzia, quando a Câmara Municipal sabe que tem mais de 4 mil famílias inscritas, à espera de uma casa.

Em 2017, o Governo proclamou que queria “uma política de habitação centrada nas pessoas e não nas casas”. A declaração é muito caridosa, mas com esta política de habitação, o dinheiro fica nas casas e não chega às pessoas.

Ao mesmo tempo que António Costa oferece um bonsai ao Presidente da República, qual árvore anã que talvez represente a nossa réstia de esperança no pós-pandemia, Fernando Medina dedica-se a plantar eucaliptos na Avenida da República que “sugam” os nossos impostos e cujo valor é tão inacessível, que a palavra “acessível” soa a caricatura e chacota.

Curiosamente, são estes protagonistas que dizem que combatem a especulação, mas em vez de aproveitarem o nosso património público para aumentarem as receitas – como se percebe pela auditoria do Tribunal de Contas – e com elas reforçarem a oferta de casas para arrendar, provocam o contrário: reduzem a oferta, desbaratam o dinheiro público, delapidam o nosso fundo de pensões e as casas que fazem, são poucas e muito caras.

Este é mais um exemplo dos investimentos públicos que nos arruínam e tornam mais pobres.

Não há bonsai que resista a estes eucaliptos…