Quando o apito soou para assinalar o fim dos 120 minutos do jogo entre Croácia e Brasil, todas as atenções estavam postas nas estrelas: Modric de um lado, Neymar do outro. Duas estrelas planetárias num desempate da marca das grandes penalidades, com uma oportunidade de estar entre as quatro melhores seleções do mundo neste Mundial. Minutos depois, o cenário era completamente diferente: Neymar nem chegou a bater um penálti, Modric marcou o seu, mas não foi em nenhum dos dois que as atenções se centraram.
Com quatro penáltis defendidos (um no jogo desta sexta-feira e três frente ao Japão, nos oitavos — o quarto foi aos ferros da baliza), Dominik Livakovic é o novo herói da Croácia. O guardião de 27 anos, atualmente no Dínamo de Zagreb, tem sido o talismã de uma seleção croata que, de empate em empate, vai chegando cada vez mais perto da final: para já tem presença garantida nas meias finais (e, seja qual foi o resultado, nesse ingrato jogo do terceiro e quarto lugar).
De certo modo, a sua história de vida adivinhava grandes voos — Livakovic vem de uma notável família da sociedade croata. O seu pai, Zdravko Livaković, é engenheiro civil e foi Secretário de Estado no Ministério do Mar, Transportes e Infraestruturas durante o governo de Ivo Sanader. Através da mãe, tem parentesco com Josip Skoblar, avançado da ex-Jugoslávia nos anos de 60 e 70, que pela seleção conquistou um 4.º lugar no Mundial de 1962, no Chile e a nível de clubes se notabilizou ao serviço do Marselha, onde os seus 44 golos em 1971 lhe valeram uma Bota de Ouro.
Livakovic poderia ter tido dificuldades em estar à altura de tais pergaminhos, mas nada podia ser mais longe da verdade. Após começar a carreira no NK Zagreb, chegou, com apenas 20 anos, ao maior clube da Croácia: o Dínamo Zagreb. Rapidamente agarrou a titularidade e a deixar o seu lugar na história do clube. Em 2019 estabeleceu um recorde no início de época ao manter a baliza inviolável durante 535 minutos (quase 6 jogos).
Os elogios que lhe eram dirigidos estendiam-se também à sua capacidade para defender os tais penáltis (como o mundo tem podido comprovar no Qatar). Em agosto de 2020, num jogo de qualificação da Liga dos Campeões contra o Cluj, defendeu um penálti no tempo regulamentar: o jogo terminou 2-2 e foi ao desempate da marca dos onze metros onde, mais uma vez, Livakovic teve uma defesa crucial que permitiu ao Dínamo vencer por 6-5.
Talismã croata bateu nos oitavos de final um recorde português
As boas prestações no clube valeram-lhe a confiança do selecionador Zlatko Dalić. Após ter sido suplente durante o Mundial de 2018 (onde a Croácia alcançou de forma inédita a final), agarrou a titularidade durante a qualificação para o Europeu de 2020 e não mais a largou.
Apesar de tudo, o Qatar tem, inegavelmente, servido como o momento de afirmação internacional de Livakovic. Com apenas um golo sofrido na fase de grupos, foi essencial numa passagem da Croácia aos oitavos, que chegou a estar em risco. Depois, frente ao Japão, foi mais uma vez preponderante: defendeu 3 penáltis depois do empate se manter no prolongamento e os croatas avançaram para os quartos de final. Tornou-se assim o terceiro guarda-redes a cometer tal proeza num Mundial, juntando-se ao compatriota Danijel Subašić, que o fez há quatro anos na Rússia, e ao português Ricardo, que o conseguiu no Mundial da Alemanha, em 2006.
Goalkeepers to save three penalties in a #FIFAWorldCup shootout:
Ricardo (???????? vs. ????????????????????????????) – 2006 WC
Danijel Subasic (???????? vs. ????????) – 2018 WC
Dominik Livakovic (???????? vs. ????????) – 2022 WC – ????— Opta Analyst (@OptaAnalyst) December 5, 2022
Já seria suficiente para uma prova memorável. O que ninguém esperava era que o voltasse a fazer quatro dias depois, desta feita frente ao Brasil. Num jogo em que fez mais defesas (8), do que o guarda-redes adversário, Alisson, teve em todo o torneio (5), Livakovic agigantou-se no momento decisivo e voltou a parar um penálti (o de Rodrygo). No final do jogo foi eleito melhor em campo e elevou o seu nome ao estatuto de herói da Croácia. Uma Croácia que agora tem em mãos uma oportunidade dupla: de fazer história e de redenção.