George Santos deu nas vistas nas últimas eleições intercalares para o Congresso norte-americano. Com apenas 34 anos, este filho de imigrantes brasileiros tornou-se o primeiro republicano que fez campanha sem esconder que é gay a vencer uma eleição para a Câmara dos Representantes, por um distrito de Queens, no estado de Nova Iorque. “A plena encarnação do sonho americano”, vendeu a sua campanha.
Mas de novembro até janeiro tudo se complicou. Esta terça-feira, George Santos toma posse debaixo de uma nuvem de escândalos sobre o seu passado, com colegas a pedirem a sua demissão e investigações judiciais abertas nos Estados Unidos e no Brasil.
Procuradores do estado de Nova Iorque estão a investigar o futuro congressista e os mais de 700 mil dólares (cerca de 660 mil euros) que emprestou à sua própria campanha, segundo confirmou uma fonte à CNN. Para além disso, o The New York Times noticiou que as autoridades brasileiras estão a reabrir uma investigação por fraude a Santos, que estava parada por não saberem do seu paradeiro.
Em causa está um incidente em 2008, quando Santos tinha quase 20 anos. O jovem foi uma loja de roupa em Niterói e gastou cerca de 700 dólares (660 euros). O problema? Pagou com um cheque que não era seu e usou um nome falso. Cerca de um ano depois, Santos terá admitido a fraude, escrevendo ao dono da loja na rede social Orkut: “Sei que fiz asneira, mas quero pagar”. Já em 2010, e ainda segundo o Times, Santos foi com a mãe à polícia e confessou que roubara o cheque de um homem para quem a mãe trabalhava.
As mentiras sobre o Citigroup e a Goldman Sachs e as origens judaicas que não existem
Além do processo judicial por causa do cheque roubado, George Santos tem estado sob escrutínio por várias afirmações falsas sobre o seu passado. Em concreto, o futuro congressista mentiu sobre o seu currículo, tanto académico como profissional. Mas também sobre as suas origens familiares.
Santos sempre afirmou que se licenciou em Economia e Finanças pela Universidade Baruch, a que se seguira alguns estudos na Universidade de Nova Iorque. Contactas pelo The New York Times, ambas as instituições garantiram que Santos nunca ali esteve matriculado e muito menos obteve qualquer diploma.
As mentiras continuaram no que se refere ao percurso profissional. Santos diz ter sido “gerente de ativos associado” no Citigroup, mas a empresa não só diz não ter registos desse empregado, como não reconheceu esse título profissional na sua hierarquia. O norte-americano tem uma história semelhante com outro gigante financeiro, a Goldman Sachs. Santos diz que não só trabalhou na empresa como durante uma conferência organizada pelo antigo assessor de Trump e homem de negócios Anthony Scaramucci, desafiou publicamente o próprio Scaramucci numa discussão sobre energias renováveis.
À CNN, a Goldman Sachs diz que Santos nunca foi seu empregado e o próprio Scaramucci diz não haver sequer registos de que Santos tenha estado inscrito na conferência.
Além do falso currículo, Santos parece ter mentido também sobre questões pessoais. Numa entrevista no passado, garantiu que quatro funcionários da sua empresa (não especificando qual) morreram no ataque armado à discoteca gay Pulse, em 2016. A investigação do Times não conseguiu encontrar nenhuma ligação entre as 49 vítimas e Santos.
Mais: em várias entrevistas, George Santos afirmou que os seus avós “sobreviveram ao Holocausto” e que tiveram de fugir da Bélgica, escondendo o apelido Zabrovsky para mascarar o seu judaísmo e convertendo-se posteriormente ao catolicismo. O congressista-eleito identificou-se várias vezes como “meio judeu” e “judeu latino”. Uma investigação da CNN, que consultou múltiplos registos e contou com a ajuda de vários especialistas em geneologia, não encontrou qualquer ligação de Santos a famílias judaicas.
A empresa que dá milhões, mas não tem clientes
A investigação judicial nos Estados Unidos, porém, foca-se não nas mentiras sobre origens e currículo, mas na origem do seu dinheiro. Em causa está a alegada fortuna da sua principal empresa, a Devolder Organization, de onde Santos oficialmente obtém um salário de 750 mil dólares anuais e um milhão em dividendos. Contudo, a empresa quase não tem existência online, sem site nem página de Linkedin. Os registos oficiais não elencam qualquer cliente.
Como explica o Times, qualquer mentira nas declarações de rendimentos de um candidato ao Congresso é considerada crime, que pode ser penalizado com uma multa de milhares de dólares e cinco anos de prisão. A isto somam-se as suspeitas pelos gastos avultados de Santos com a sua própria campanha, investindo mais de meio milhão em refeições, alojamento e outros gastos.
O congressista-eleito rejeita que tenha cometido qualquer ilegalidade.
A sugestão de que a campanha Santos fez qualquer despesa de campanha ilegal é irresponsável, no mínimo”, disse o seu advogado, Joe Murray, à CNN.
O próprio reagiu também, numa entrevista ao New York Post: “Não sou um criminoso — nem aqui, nem no Brasil, nem em qualquer jurisdição do mundo”.
Na mesma entrevista, contudo, George Santos reconheceu várias das mentiras sobre o seu passado, admitindo que nunca trabalhou “diretamente” com o Goldman Sachs e o Citigroup e que nunca se licenciou. “Estou envergonhado e lamento ter floreado o meu currículo”, disse. “Os meus pecados são ter floreado o meu currículo. Lamento.”
Pedidos de demissão até do próprio Partido Republicano
Além das investigações judiciais, as mentiras de Santos podem ter consequências políticas. Apesar de a tomada de posse como representante do Congresso estar marcada para esta terça-feira, várias vozes dentro do Congresso — incluindo dentro do próprio Partido Republicano — já sugeriram que Santos se devia demitir.
Foi o caso do republicano veterano Kevin Brady, que disse que Santos “tem de considerar a demissão” e de Anthony D’Esposito, que pediu a Santos que “siga um caminho de honestidade”. Outro colega do partido, Nick LaLota, pediu uma investigação do Comité de Ética da Câmara dos Representantes.
Alguns congressistas democratas, como Joaquin Castro e Ted Lieu, pediram que Santos fosse expulso da Câmara. Os estatutos preveem essa hipótese se houver uma maioria de dois-terços a favor da expulsão. Mas, ao longo da História, só cinco congressistas foram expulsos.