Não serão todos, nem sequer a maioria, mas os melhores alunos entre os alunos mais pobres vão ter vantagem no acesso ao Ensino Superior. A proposta é do Governo e foi confirmada ao Observador pelo secretário de Estado do Ensino Superior. Pedro Nuno Teixeira garante que a proposta foi muito bem aceite pela maioria dos interlocutores com quem o Governo negocia há três meses. O governante confirmou também que pretende que os exames nacionais tenham maior peso no acesso ao ensino superior — como avançou o jornal Público —, prevendo que algumas mudanças possam acontecer já no concurso nacional deste ano.
“Aquilo que estamos a equacionar é tentar dar uma vantagem a alunos que sempre viveram em desvantagem, aos melhores alunos destes mais pobres, daqueles de primeiro escalão de abono de família, que são de famílias com rendimentos mais baixos”, explicou o secretário de Estado.
Quem e quantos serão esses alunos ainda não é certo, já que, como explica Pedro Nuno Teixeira, a proposta ainda está em discussão. Uma das hipóteses é cumprir uma promessa do Governo anterior de criar um contingente especial as escolas TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), onde há maior concentração de alunos carenciados. Mas esta não será a única medida e, sem entrar em detalhes, o secretário de Estado garante que há outros instrumentos ao alcance do ministério para tentar levar mais alunos de estratos vulneráveis para o ensino superior.
E como funcionará esse contingente especial, se a proposta for aceite? “É o que já temos para os alunos com uma deficiência grave, ou para os alunos que são emigrantes, ou luso-descendente. É dizer que estes alunos que fazem as mesmas provas que todos os outros, que preenchem as mesmas condições, têm preferência quando chega a altura da escolha” independentemente da nota e da média, explica o governante.
Para ter acesso a esta prioridade é preciso estar entre os alunos com melhores notas e querer, obviamente, prosseguir com os estudos para lá do ensino secundário. “O que estamos a propor é que sejam os melhores dos alunos mais pobres. A questão da concretização disto — se apenas nos alunos mais pobres que frequentam as escolas TEIP, se é mais alargado, se o fazemos numa 1.ª fase num projeto piloto com algumas das instituições do ensino superior ou se generalizamos a todo o sistema” ainda está em discussão.
Oiça aqui o Resposta Pronta com o secretário de Estado do Ensino Superior
Governo quer dar “vantagem” aos melhores alunos entre os mais pobres
Assim, num primeiro momento, esta vantagem pode existir num leque reduzido de cursos em diferentes universidades e politécnicos e, mais tarde, ser alargado. Os lugares nunca serão muitos. “A ideia é dar algumas oportunidades, por exemplo, uma vaga, duas vagas, para os melhores alunos dos alunos mais pobres que quiserem entrar nestes cursos terem prioridade na escolha.”
A ideia tem sido bem recebida, o que leva a crer que poderá ir em frente. “Foi muito bem acolhida pelos nossos interlocutores porque sabemos que a transmissão entre gerações de pobreza é muito forte. Quem nasce numa família pobre tem uma forte probabilidade de também ser pobre. Que instrumentos é que temos para dar oportunidades para dar aqueles que nasceram numa família mais pobre? Claramente a Educação. É isso que lhes pode dar perspetivas de ter uma vida melhor do que os seus pais ou do que os seus avôs”, resume Pedro Nuno Teixeira, frisando que a vantagem seria apenas para os melhores alunos.
O Ministério da Educação tem estado envolvido nesta discussão, já que não “faria sentido que fosse de outra forma”, uma vez que é ele quem tutela o ensino secundário.
Notas dos exames a valer mais
Tal como o Público avançou, entre as propostas do Governo está a ideia de aumentar o peso dos exames nacionais no acesso ao superior, embora não seja seguro que a medida avança, já que, frisa o secretário de Estado, ainda está em discussão.
“A proposta que fizemos foi de que o peso mínimo fosse 50%. Contextualizando isto: no sistema que tínhamos até 2020 — e que seria o sistema em vigor se não fosse a revogação de toda a legislação criada para a pandemia — os exames pesavam por duas vias: enquanto condição de ingresso e pesavam para classificação do secundário. Se juntássemos estas duas componentes, os exames pesavam mais ou menos 45%”, argumenta Pedro Nuno Teixeira.
Assim, o Governo propõe subir um pouco esse valor para um mínimo de 50%, já que “os exames têm uma função importante do ponto de vista de regulação e de avaliação de aprendizagens”. O secretário de Estado considera mesmo que têm um papel importante de regulação e equidade dentro do sistema, já que os dados mostram que há diferenças grandes no comportamento das classificações internas do ensino secundário quando há exame e quando não há exame, mesmo em disciplinas idênticas.
O padrão das notas quer nas públicas, quer nas privadas é diferente. E, quando não há exames, a disparidade das notas e a concentração de notas em classificações muito altas altera-se significativamente”, garante.
Apesar de esta ser uma medida que vai contra o que os diretores de agrupamentos têm pedido nos últimos anos, por considerarem o ensino secundário refém dos exames nacionais, Pedro Nuno Teixeira diz que agradar “não é o critério mais importante” quando se está a tomar decisões. “Vamos pensar o que faz sentido em termos do que temos no sistema.”
No entender do Governo, esclarece o secretário de Estado, é necessário ter instrumentos de avaliação e de seriação dos alunos que introduzam comparabilidade e equidade e os exames têm um contributo importante desse ponto de vista. “Aquilo que nos mostram os dados é que nas disciplinas em que há exame, e nas classificações de exame, há uma maior aproximação na distribuição das notas quer ao nível nacional, quer entre escolas públicas e privadas. Parece-nos que é um efeito importante.”
Sobre os exames e sobre como condiciona o ensino secundário, Pedro Nuno Teixeira defende que se houvesse exames organizados por universidades e politécnicos (ao invés de exames nacionais) isso traria desvantagens aos alunos mais carenciados.
“O que nos mostra a evidência de outros países, onde há uma escolha muito descentralizada é que isto tende a enviesar muito para os alunos que vêm de estratos mais favorecidos. Se o estudante tiver de fazer várias provas em instituições diferentes, isso funciona como dissuasor dos alunos de origem socioeconómica mais desfavorecida. Claramente do ponto de vista da equidade é regressivo”, argumenta.
Sobre as datas para a concretização das propostas, depois de as negociações terminarem, Pedro Nuno Teixeira acredita que algumas poderão acontecer já este ano como a anunciada antecipação das colocações, a questão da definição dos guiões de candidaturas, ou o despacho de vagas. “O projeto piloto dos mais desfavorecidos vamos tentar introduzir este ano, outros aspetos só em 2024 e outros só em 2025”, argumenta. O mesmo se passará com os exames nacionais. “Alguns aspetos podem ser viáveis já em 2024, outros só em 2025.”