“A rua parecia um autêntico rio”. Raquel Coimbra, proprietária de uma loja na Rua Mouzinho da Silveira, recorda ao detalhe o momento em que uma grande quantidade de água alagou toda aquela zona da Baixa do Porto na manhã deste sábado, arrastando consigo tudo o que apanhou pela frente. “Começou a chover por volta das 10h00 e, de repente, começou a haver um fluxo muito grande de água. A rua parecia um autêntico rio, com cadeiras e mesas das esplanadas a vir por aí abaixo. Ficou tudo muito incontrolável. Quando me apercebi, começou a entrar água dentro da loja”, explicou ao Observador.
Os comerciantes e moradores da zona estavam informados sobre o alerta laranja emitido pela Proteção Civil para os distritos do Porto, Braga e Viana do Castelo devido à precipitação forte, mas não esperavam que fosse acontecer um fenómeno desta dimensão: “Foi tudo muito rápido. Os carros que estavam a circular na via também ficaram imobilizados e, entretanto, quando tudo começou a ficar mais calmo e quando foi possível, veio a Proteção Civil”.
#FMA
Manhã complicada no Porto! ????????????
Enviado por Oscar Santos pic.twitter.com/bZ55wxOy1h— Márcio Santos – Meteorologia e Ambiente (@MeteoTrasMontPT) January 7, 2023
A água chegou mesmo a inundar a estação de metro de São Bento e a circulação na linha Amarela (D) esteve condicionada durante algumas horas. Também o trânsito foi cortado na Rua Mouzinho da Silveira, sendo que, segundo a autarquia, a circulação nesta rua será reposta durante as primeiras horas de domingo, com uma faixa de rodagem aberta ao trânsito.
Durante a tarde, e depois do susto vivido de manhã, as equipas da Proteção Civil efetuaram os trabalhos de limpeza em toda a zona, com máquinas que retiravam grandes quantidades de areia arrastada pela chuva e a reparação do pavimento das ruas, onde vários paralelos foram arrancados pela força da água e alguns carros ficaram imobilizados.
Na loja de Raquel Coimbra os estragos não foram muito visíveis, tendo sido necessário apenas limpar a água que entrou no soalho do estabelecimento. Mas ao lado, na Rua das Flores, vários comerciantes vão começando a fazer a conta aos estragos provocados pelo mau tempo, enquanto limpam e salvam o que conseguem e preparam o espaço ao máximo para o agravamento das condições meteorológicas previsto para este domingo — Viana, Braga, Porto e Vila Real voltam a estar em aviso laranja entre as 06h e 12h de domingo.
“Tenho vídeos do que aconteceu e isto foi uma coisa nunca antes vista. Temos três lojas aqui no Porto — uma aqui na Rua das Flores e duas na Mouzinho da Silveira — e, em dez anos, nunca vimos isto”, sublinha Vítor Dinis, proprietário da loja “Tradições”, na Rua das Flores. Enquanto descreve o que aconteceu, há funcionários a despejarem na rua baldes cheios de água retirada da cave e a colocarem material em sacos de plástico. As prateleiras inferiores, descreve o proprietário, foram atingidas pela água e o piso de baixo, onde se encontra o armazém, foi o mais afetado, quer em termos de material do stock quer em termos de equipamentos eletrónicos.
“Quando isto aconteceu estávamos a fazer um inventário e tentámos evitar ao máximo que a água entrasse, mas era impossível. Temos ali a grelha e a cave ficou toda inundada. Como se vê pela rua da Mouzinho, os paralelos foram todos arrancados e esta aqui, de facto, foi a pior. Neste momento estamos a apurar os prejuízos. A luz também foi abaixo entretanto e vamos ter de fechar a loja durante uns dias até restabelecer a normalidade”, explica o lojista, que conta ainda que a água que entrou naquela rua “tinha muita sujidade — era só lama, basicamente”. “Tentamos ao máximo evitar, mas era impossível: era muita água, água demais”, completou.
“Todos os anos chove e isto nunca aconteceu”
Vítor Dinis diz que em dez anos de funcionamento na Rua das Flores nunca aconteceu “situação semelhante” e, à semelhança de outros comerciantes, acredita que a água toda que inundou a rua “não parece ter sido só da chuva”. “Todos os anos chove e isto nunca aconteceu. A água vinha com muita sujidade e penso que isto não foi só provocado pelas chuvas”, explica.
Na mesma rua, Célia Lino, sócia da garrafeira “Porto in a Bottle”, vai terminando os trabalhos de limpeza, que consistem em varrer toda a água que chegou ao estabelecimento. “Isto é basicamente água e lama. Muita lama que veio por aí abaixo e entrou em todas as lojas desta rua”, acrescenta, sublinhando que no caso da garrafeira as estantes são mais subidas e não houve muito material afetado. “Estamos abertos há mais de sete anos e aqui nunca vimos nada semelhante”, reforça também.
Com o agravamento da meteorologia esperado para esta madrugada, os comerciantes vão tentando precaver-se ao máximo, colocando sacos de areia à porta dos estabelecimentos para evitar que a água entre. “O único sítio onde a água pode entrar é através da porta, porque tem um respirador. Vamos tentar tapar isso e tentar arranjar uns sacos para prevenir um bocadinho mais, mas não podemos fazer muito mais que isto”, explica.
Câmara do Porto admite que obra do metro pode ter contribuído para estragos e pode precisar de “correções”
Enquanto ainda decorriam os trabalhos de limpeza, o vice-presidente da Câmara Municipal do Porto fez um balanço da situação. Filipe Araújo falou num fenómeno que a cidade nunca viu e admitiu que as obras no metro terão “certamente provocado certamente algumas alterações” — “é normal, uma obra pode provocar essas alterações” — e que poderá ter de haver “correções na obra do metro”.
Filipe Araújo assegurou que não rebentou nenhuma conduta, estando asseguradas as condições de “segurança”. Ainda assim, explicou que os detritos visíveis nas imagens desta manhã vieram precisamente das obras no metro, com gravilha a ser arrastada pela água, e adiantou que a Metro já garantiu que vai “fazer uma proteção com sacos de areia” para evitar que o mesmo aconteça durante as próximas horas.
O autarca frisou ainda que esta “tormenta” (uma grande queda de água num curto espaço de tempo) que aconteceu entre as 10h e as 11h é um “fenómeno” que a cidade nunca viu nesta zona, que não costuma ser um ponto crítico, o que “obviamente preocupa” a autarquia. A explicação poderá estar na forma como a água (não) escoou desta vez: por baixo da Mouzinho da Silveira passa o rio Vila, “que normalmente mesmo em grandes intempéries escoa toda a água”. Mas neste sábado isso não aconteceu e a água ficou à superfície, sem drenar para o rio.
“A água escorreu à superfície, estamos a avaliar porque é a primeira vez que isso acontece nesta zona, uma zona que como sabem está a ser intervencionada”, referiu Filipe Araújo.
O vice-presidente da autarquia referiu ainda que os serviços de emergência registaram 56 ocorrências, das quais só falta resolver uma. Os danos materiais estão agora a ser resolvidos e contabilizados.