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Atriz e prostituta travesti interrompe peça "Tudo Sobre a Minha Mãe" em protesto pela inclusão trans

Este artigo tem mais de 1 ano

Ação de atriz e prostituta interrompeu o espetáculo com apelos à inclusão: "Não temos espaço para estarmos aqui neste palco”. Atriz trans Maria João Vaz interpreta papel já a partir desta sexta-feira.

Intervenção, que a princípio gerou confusão e apupos de respeito pelos atores, acabou por colher o apoio da plateia
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Intervenção, que a princípio gerou confusão e apupos de respeito pelos atores, acabou por colher o apoio da plateia

Andreia Reisinho da Costa

Intervenção, que a princípio gerou confusão e apupos de respeito pelos atores, acabou por colher o apoio da plateia

Andreia Reisinho da Costa

A plateia do Teatro São Luiz que esta quinta-feira à noite assistia a uma performance da peça “Tudo Sobre a Minha Mãe” foi surpreendida quando Keyla Brasil, atriz e performer travesti, interrompeu o espetáculo em protesto contra a falta de representatividade de atores transgénero – um protesto que acabou por ter consequências rápidas.

Baseada no filme homónimo de Pedro Almodóvar, a peça parte de um texto de Samuel Adamson (com tradução de Hugo van der Ding) e encenação de Daniel Gorjão. A história inclui duas personagens trans, Agrado e Lola. A primeira interpretada pela atriz trans brasileira Gaya de Medeiros, e a segunda pelo ator cisgénero André Patrício.

Foi precisamente este último o alvo do protesto. No vídeo partilhado na página de Instagram do duo musical Fado Bicha (que participou na organização da “ação direta”), é possível ver Keyla Brasil a subir, seminua, ao palco, gritando a palavra “transfake” e exigindo a André Patrício que descesse do palco e tivesse “respeito” por aquele lugar.

Brasil prosseguiu a sua intervenção durante cerca de três minutos. “Gente, boa noite. Chamo-me Keyla Brasil. Sou atriz, sou prostituta”. Enquanto a cortina vermelha ia descendo, a manifestante ignorou os apelos da produção para que saísse do palco, atacando a precariedade dos atores trans em Portugal:

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O que está a acontecer agora é um assassinato e um apagamento das identidades travesti. Se contrataram quatro mulheres e três homens, porque é que não contrataram duas pessoas trans para fazer a personagem? Sabem porque é que eu trabalho como prostituta? (…) Porque não temos espaço para estarmos aqui neste palco”.

A intervenção, que a princípio gerou confusão e apupos de respeito pelos atores, acabou por colher o apoio da plateia, que aplaudiu particularmente após a revelação feita pela performer de que teria tido um revólver apontado à cara dias antes enquanto trabalhava como prostituta. “Por causa disto ia sendo morta! Não estão dando oportunidade para um travesti trabalhar”.

A questão da representatividade trans na peça não foi alheia à produção da peça. Na folha de sala do espetáculo, Daniel Gorjão já admitia que “este não é um espetáculo perfeito também neste aspeto, porque a Lola é interpretada por um homem e não por uma mulher trans”, antes de justificar a decisão com pressupostos financeiros. “Infelizmente, as lógicas de produção, às vezes, impõem-se às lógicas artísticas”, pode ler-se.

Na Instagram, os Fado Bicha já tinham, anteriormente, dado voz a um manifesto onde apelaram ao boicote da peça, explicando também a origem e significado do termo transfake “descreve a ação de artistas que participam na exclusão de trabalhadores culturais trans, através da apropriação de papéis trans”.

O elenco de atores voltou a subir ao palco para falar com a ativista: Gaya de Medeiros (a única atriz trans da peça), de punho erguido numa demonstração de apoio, deixou um apelo à plateia: “Quero que vocês entendam com generosidade, de coração. A liberdade de uma não será a liberdade de todas. Eu sou apenas um começo. Isto aqui não está como deveria estar. Mas acho que hoje este ato da Keyla Brasil, uma artista que está na prostituição, deve entrar na história de Portugal, para que se entenda a importância destes corpos ocuparem estes espaços para contarem as suas histórias. Isto não é contra o ator e o diretor. Isto é contra uma denúncia histórica, que andamos a fazer há muitos anos”.

Atriz trans Maria João Vaz interpreta Lola a partir de esta sexta-feira

Após o protesto, a sessão não foi retomada. Esta sexta-feira, quando “Tudo Sobre a Minha Mãe” voltar a subir ao palco, terá mudanças no elenco, com a atriz trans Maria João Vaz a substituir André Patrício no papel de Lola. Patrício não abandonada a peça ainda assim: desempenha três papéis no enredo e deixa apenas de desempenhar Lola.

O anúncio, feito na página de Instagram do São Luiz, refere que a mudança foi possível “no seguimento de vários atos de contestação pela representação de uma personagem trans por um ator cis e pela criação de condições de acesso e representatividade para pessoas trans” e foi largamente elogiada nas redes sociais.

Em declarações à Agência Lusa, Daniel Gorjão ofereceu algumas explicações. “Como já assumi, tentei fazer um gesto de representatividade que não foi bem acolhido pela comunidade trans”. O encenador mostrou-se “solidário” com “a sua luta pelo acesso ao trabalho e pela representatividade” da comunidade trans, com quem “sempre” esteve, discordando, porém, da forma “violenta” como o fazem.

“Estou com a comunidade, sempre estive”, frisou, ressalvando que “a mudança faz-se mudando”, pelo que já esta noite vão ter mais uma atriz trans no elenco, a fazer o papel de Lola, no caso a atriz Maria João Vaz. A “possibilidade” surge agora, prosseguiu Gorjão, “depois de todos os acontecimentos”, uma vez “que se reuniram condições”, com “o total suporte dos teatros produtores”.

“Foi isto que aconteceu. Nem tudo sempre é apenas uma questão de vontade. Como eu já tinha explicado, existem sempre condicionantes na criação de um espetáculo”, lembrou Daniel Gorgão à Lusa, lamentando os acontecimentos e sublinhando “nunca ter tido a intenção de ofender quem quer que seja”. “E o meu trabalho também pode falar por mim nestas questões”, concluiu.

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