“Houve uma quantidade significativa de pessoas abusadas que decidiram fazer o seu testemunho perante notícias que, em certos momentos, incluíram declarações de diversas figuras públicas que as deixaram ‘incrédulas’, considerando-as ‘insultuosas’, ‘revoltantes’ e ‘inadmissíveis’, pode ler-se no relatório da Comissão Independente. Em causa estão a polémica declaração de Marcelo Rebelo de Sousa sobre o número de “vítimas de abusos não lhe parecer particularmente elevado” — que depois corrigiu e pelas quais pediu perdão; e as afirmações do bispo do Porto, Manuel Linda, sobre os abusos não serem um crime público e, por isso, não levar a denúncia — pelas quais também pediu desculpas; e as palavras de outras figuras públicas que desvalorizaram os abusos sexuais na Igreja.
Cerca de vinte pessoas, quase todas do sexo masculino, referiram explicitamente na sua resposta que tais comentários foram responsáveis diretos pelos seus depoimentos enviados posteriormente à Comissão, pode ler-se no relatório final entregue esta segunda-feira à Conferência Episcopal. Um sinal, escrevem os responsáveis, da “importância da televisão como meio de informação e influência na adesão à participação neste estudo”. E dão vários exemplos das denúncias que surgiram depois das polémicas declarações que foram sendo feitas.
Por causa das declarações infelizes do sr. Presidente da República. Fomos muito mais de 400. Muitos calámos, por medo, vergonha, por ter sido há tanto tempo… Mas não esquecemos e nunca esqueceremos.
Por revolta. A coisa já andava mal, agora de ontem com o Marcelo a falar, deu uma revolta que não sei explicar. Achava que não valia a pena falar, pois já muitos tinham falado por minha vez, mas assim não dá, é uma revolta que não se explica.
Sinceramente tenho seguido o processo em Portugal, acho lindamente o que estão a fazer. Nunca achei que o meu depoimento fosse algo de importante a realizar, pois eu estou bem, considero-me equilibrado, esse crápula já morreu, mas com sinceridade absoluta chegaram-me notícias da posição ontem assumida pelo Presidente da República que achei de uma desilusão imensa. Como é possível? Reagi e disse para comigo, se assim pensa o nosso mais alto representante, vai mais um para não achar que são ‘poucos’ ou é ‘normal’.
Por o PR ter dito aquelas aberrações.
Acho que, durante cerca de 60 anos, um ato que hoje se considera de abuso sexual praticado por um membro da Igreja, não me causou problemas. Foi assunto a que não dei importância talvez pela idade, ambiente e condições em que foi praticado. Tinha eu 10 anos feitos e em Outubro de 1959 entrei como seminarista do primeiro ano, na casa (…). Logo nas primeiras semanas adoeci com qualquer coisa no ventre. Fui acamado numa enfermaria onde regularmente durante o dia o Padre X julgo que na altura o diretor ou o decano dessa congregação, se sentava numa cadeira à minha cabeceira e introduzia a sua mão acariciando-me o baixo-ventre e região genital. Perguntava-me se era aí que me doía massajando-me essa zona com insistência no pénis. Não me lembro de ter tido qualquer ereção. Não teria idade para tal! O que é que me faz hoje enviar este relato: a polémica que se gerou a propósito do relatório sobre ao assunto e das declarações do Presidente da Républica. Afinal acho que há muitos mais casos do que os 400 e picos desse relatório.
Quis sempre ficar calado mas agora passou-me uma nuvem de revolta quando ouvi o Presidente Marcelo e o António Costa a dizer que era pouco, que já se esperava. Não sabem o que a gente sente no momento e para o resto da vida, mas ao menos podiam ter respeito, nada só uma vergonha.
Sei que o prazo vai terminar no final de outubro. Não me sentia bem comigo mesmo se não partilhasse. Fiquei extremamente indignado (e essa foi uma das razões que me fez ligar) com os comentários do Marcelo Rebelo de Sousa. Fiquei de tal modo indignado que criou muita revolta.
Gostaria de aqui apresentar um depoimento que reputo de denúncia, agora que julgo existirem condições estruturadas e credíveis, apesar de ainda há poucos dias ouvir um ilustre Prelado, o Bispo de Porto, falar que ‘… neste tempo de puritanismo, iriam aparecer muitas denúncias…’, coisa que repudio em absoluto porque, para além de não me considerar, de todo, puritano, desde logo, parece consubstanciar uma espécie de justificação que anuncia o renovar do constante encobrimento por parte de muitos, ao longo de décadas, como aliás julgo que se passou no caso que agora pretendo denunciar.