A história de Carlo Ancelotti nunca passou por Liverpool mas é feita entre muitos capítulos de Liverpool e tem ainda essa página passada onde esteve próximo de ir para Liverpool. Em 2015, quando já tinha deixado o Real Madrid e cumpria o seu ano sabático, o italiano foi uma das opções mais sérias para suceder a Brendan Rodgers, tendo mesmo existido sondagens nesse sentido. Nessa fase, Carletto estava em negociações muito avançadas com o Bayern, aproveitando esse tempo para fazer uma operação a uma hérnia em Vancouver em paralelo com as aulas de alemão. Jürgen Klopp, o outro favorito, foi o escolhido. Ambos marcariam os atuais clubes, com o transalpino a voltar entretanto a Madrid. E ambos criaram uma relação.

“Tenho uma bela história com Klopp. Ambos passámos um ano e meio aqui em Liverpool, durante a pandemia [da Covid-19] entrámos em contacto e trocámos presentes. [Jürgen Klopp] é uma pessoa muito amável. O que é que ele me ofereceu? Um dispositivo de tabaco aquecido, aqueles cigarros eletrónicos”, contou Ancelotti sobre o período em que treinava o Everton, naquela que foi a sua segunda passagem pela Premier League depois dos dois anos no Chelsea entre 2009 e 2011. Antes e depois, os reds tiveram sempre no seu caminho numa relação que não começou da melhor forma mas que cresceu com o passar dos anos.

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Teve início em 1984, com Ancelotti afastado por uma lesão no joelho da final da Taça dos Clubes Campeões Europeus que a Roma perdeu com o Liverpool nas grandes penalidades no Estádio Olímpico. Prosseguiu na mítica final da Champions de 2005, quando o AC Milan vencia ao intervalo por 3-0 e os ingleses conseguiram ainda levar a decisão para os penáltis para somarem novo triunfo. Continuou em 2007, quando os italianos conseguiram “vingar” esse desaire com um triunfo por 2-1 com bis de Pippo Inzaghi, o avançado que os dirigentes rossoneri não queriam que jogasse mas que o técnico não deixou cair. Teve agora o último capítulo em Paris no ano passado, com o Real Madrid a conquistar mais um título europeu com um golo de Vinícius. Agora, naquela que pode ser a última temporada do transalpino em Espanha tendo um convite para liderar a seleção do Brasil, os reds voltavam a aparecer como adversário nos oitavos da Champions.

Carletto mostrou que não é para quem quer, é para quem pode (a crónica do Liverpool-Real Madrid)

Ao contrário do que acontecia na última temporada, em que por mais complicados que pudessem parecer os desafios havia sempre uma maneira de dar a volta (exemplos: as eliminatórias com Chelsea e Manchester City), o Real Madrid chegava a esta primeira eliminatória da Liga dos Campeões com alguns deslizes na Liga entre a conquista do Mundial de Clubes. A par disso, encontrava um Liverpool com uma época aquém das expetativas mas que nos últimos dois encontros dava sinais de retoma com os triunfos no dérbi frente ao Everton e na deslocação a Newcastle. E era esse momento, a par das recuperações físicas de Van Dijk, Diogo Jota e Firmino e da ausência de Tchouameni e da debilidade física de Toni Kroos (dado como fora do jogo desta noite mas a entrar ainda nas opções como suplente), que deixavam cair ideias de favoritismo.

“Estou muito feliz por podermos jogar este jogo agora e não há algumas semanas. Precisamos de fazer dois super jogos para passar. O Real Madrid é sempre super, super competitivo e difícil de bater. Mas faz todo o sentido tentar de qualquer maneira. É o Real Madrid. Não podemos jogar este jogo sem respeito, são de classe mundial. É uma equipa bem montada e por isso é tão difícil de vencer mas isso não significa que seja impossível. Ancelotti é o treinador mais descontraído que já conheci na vida, respeito-o muito, admiro-o muito. Eles têm uma equipa de classe mundial e trouxeram jovens jogadores empolgantes”, resumira Jürgen Klopp antes da partida que seria também um palco para a última coqueluche inglesa brilhar: Bajcetic.

Durante 15 minutos, quando tudo eram coisas boas em Anfield, o jovem médio espanhol (disputado também com a Sérvia pela primeira internacionalização) foi um dos grandes destaque da melhor versão do Liverpool na presente temporada. Depois, imperou a lei do mais forte na Europa de um colosso que é muito mais do que títulos e noites para mais tarde recordar – e que passa ao lado das provocações como o fogo de artifício que rebentou durante a madrugada perto do hotel. E num dia em que o clube está de luto pela morte do antigo jogador, goleador, treinador e presidente honorário Amancio, um dos jogadores mais importantes da história dos merengues nos anos 60 e 70, o Real fez uma das remontadas mais marcantes na Champions com uma goleada por 5-2 com cinco golos em 46 minutos após ter entrado a perder por 2-0.

O Liverpool teve um início a roçar o perfeito entre golos do outro mundo pela qualidade e pela quase versão de apanhados que conheceu. Com um autêntico “abafo” nos primeiros minutos que fez com que o Real pouco ou nada passasse do meio-campo e sem fazer mais do que três/quatro passes seguidos, foi numa recuperação que começou o 1-0 com Bajcetic e Henderson a fazerem chegar a bola a Salah na direita para um cruzamento que acabou com o calcanhar de Darwin Núñez sem hipóteses (4′). E não ficaria por aí: já depois de Salah ter atirado ao lado com perigo (12′), Courtois atrapalhou-se sozinho num atraso de Carvajal, quis chutar a bola quando ela já não estava onde achava e Salah só teve de empurrar isolado para a baliza (14′).

Carlo Ancelotti continuava a olhar de mãos nos bolsos para o jogo mas aquele mascar de pastilha parecia bem mais tenso do que é normal perante o arranque tenebroso do conjunto espanhol. No entanto, e como vai acontecendo uma e outra vez desde que o italiano voltou a Espanha, o Real estava apenas a ganhar balanço para uma reação que não ficou em nada a dever à entrada do Liverpool a todos os níveis: Vinícius teve uma nesga de espaço após combinação na esquerda para bailar mais um bocado, procurar o melhor ângulo e reduzir para 2-1 (21′) antes de Alisson devolver o erro de Courtois com uma tentativa de alívio que bateu em Vinícius e encaminhou-se para a baliza fazendo o 2-2 (40′). Ainda houve um livre de Alexander-Arnold para defesa de Courtois e um corte providencial de Andy Robertson quando Rodrygo estava já nas costas para fazer a reviravolta mas o intervalo chegaria com quatro golos e um autêntico hino ao futebol.

Estava tudo em aberto para o que se poderia passar no segundo tempo mas foi nesse período que o Real, até sem contar com o lesionado Alaba (entrou Nacho para o seu lugar com muita tremideira à mistura), mostrou algo que se sente, que se vê mas que se torna complicado explicar entre as sete vidas que tem em qualquer encontro na Europa: Éder Militão fez a reviravolta logo no arranque na sequência de um livre lateral batido de forma tensa por Modric (47′), Benzema aumentou a vantagem num lance com alguma sorte à mistura em que a bola desviou em Joe Gomez antes de trair Alisson (55′) e o mesmo capitão e avançado francês bisou concluindo mais uma jogada de antologia que deixou os próprios adeptos ingleses rendidos ao que se estava a passar em campo (67′). Aquilo que parecia ser o regresso das noites de antologia do Liverpool tornou-se uma das maiores goleadas sofridas pelos reds em Anfield frente ao campeão europeu em título.