A Península Ibérica pode ter funcionado como um refúgio para as populações pré-históricas durante a Idade do Gelo. A informação surgiu após a descoberta, no sul de Espanha, de vestígios de ADN com cerca de 23.000 anos, que os cientistas garantem que estabelece uma ligação entre os Homens que habitaram a Europa ocidental antes e depois da última Idade do Gelo registada.

A descoberta de um espécime masculino, o mais antigo já encontrado no sul da Península Ibérica, foi feita na caverna de Malalmuerzo, em Granada, e forma a base de um estudo publicado na revista científica Nature, que parece sugerir que o Homem paleolítico pode ter migrado para a Ibéria para escapar ao gelo e aos frios extremos do período. Esta decisão pode ter sido um importante fator para a sobrevivência dos humanos no Ocidente, por contraste com as populações orientais e meridionais, que desapareceram.

A península pode assim ter funcionado como uma espécie de “reservatório genético”: à medida que as populações no resto da Europa foram diminuindo, no território ibérico esse valor manteve-se intacto ao longo de dezenas de milhares de anos e, quando o período glaciar terminou e o clima melhorou, a massa humana expandiu-se pelo continente.

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“Só temos dois dentes, mas é uma sorte porque nos deram muita informação”, explicou ao jornal espanhol ABC Vanessa Villalba-Mouco, investigadora do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva em Leipzig, na Alemanha, e a principal autora do estudo publicado. “Ao comparar o ADN [deste homem] com o de um outro indivíduo da Bélgica com 35.000 anos constatámos que têm uma clara conexão genética. Mostra uma continuidade genética absoluta, pese embora a Idade do Gelo”.

O estudo sugere que, pela sua posição geográfica, a Península Ibérica pode ter sido menos afetada pela era glaciar, o que permitiu às populações do norte e centro europeu abrigarem-se no território. “A Ibéria converteu-se num reservatório genético de onde sairiam as populações que depois se estenderam pela Europa. Foi uma história de êxito”, afirma a investigadora.

Por outro lado, os investigadores dizem não ter encontrado ligações genéticas entre as populações da Ibéria e as do norte de África, o que parece contrariar a tese avançada por alguns cientistas de que as duas populações mantiveram contactos através do estreito de Gibraltar, uma vez que durante a Idade do Gelo o nível do mar terá baixado cerca de 160 metros.

“O estreito era já uma barreira geográfica formidável” explicou um dos autores do estudo, Carles Lalueza Fox do Instituto de Biologia Evolutiva espanhol e diretor do Museu de Ciências Naturais de Barcelona. “Cruzá-lo devia ser extremamente perigoso, tal como é agora, apesar de estarmos a apenas 14 quilómetros de África”.

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