Marc Márquez já venceu o Mundial de MotoGP em seis ocasiões. Foi o nome maior da modalidade de 2013 a 2019, falhando o título num único ano durante esse período e cimentando um legado só comparável aos de Giacomo Agostini e Valentino Rossi. Com apenas 30 anos, o piloto espanhol tinha tudo para ser uma verdadeira lenda do motociclismo. A história recente, porém, tem feito de Marc Márquez um vilão.

Este domingo, no Grande Prémio de Portugal, o espanhol da Honda protagonizou mais um capítulo que o deixa do lado errado da história: na segunda volta da corrida algarvia e depois de ter perdido a liderança logo na primeira curva, já que arrancou com a pole-position, procurou ultrapassar Jorge Martín e Miguel Oliveira de uma só vez, tocou no compatriota e acertou e cheio no português.

“Quando há problemas nos travões, trava-se antes…”. Miguel Oliveira responde às justificações de Márquez e diz-se “frustrado”

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De um instante para o outro, Marc Márquez tinha garantido o próprio abandono, tinha acabado com a corrida de Miguel Oliveira e tinha estragado o dia de Jorge Martín, que acabou por desistir já na reta final do Grande Prémio após ter perdido várias posições na sequência do incidente. O piloto espanhol dirigiu-se à box da RNF Aprilia para pedir desculpa à equipa e ao português — deixando as mesmas desculpas aos adeptos portugueses presentes nas bancadas do Autódromo, debaixo de um mar de assobios –, visitou Miguel Oliveira no centro médico e acabou por justificar o acidente com um alegado problema nos travões da mota. Justificação que, para Oliveira, não é suficiente.

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“Falei com ele. Tentou explicar a situação, disse que provavelmente tinha tido um problema no travão. Mas quando se tem problemas nos travões, trava-se antes, não se trava mais tarde para tentar ultrapassar os pilotos. Espero que o sistema funcione. Se sancionaram outros pilotos, que o sancionem a ele também”, atirou o piloto português já depois de saber que tinha sofrido uma contusão na perna, num cenário menos negativo e que afastou uma assustadora ideia de fratura que chegou a estar em cima da mesa.

A assobiadela, o pedido de desculpas, o regresso a coxear: o filme do acidente que deixou Miguel Oliveira fora de prova

Marc Márquez, por outro lado, partiu um dedo da mão, foi operado em Madrid ainda este domingo e vai falhar o próximo Grande Prémio, na Argentina. O piloto espanhol foi castigado com uma dupla long lap devido ao acidente com Miguel Oliveira mas a verdade é que ainda subsiste a dúvida sobre se vai ou não cumprir a penalização — já que a sanção pode aplicar-se única e exclusivamente à próxima corrida, onde Márquez não vai estar. Seja como for, já depois de o piloto português ter dado a sua própria versão dos acontecimentos, o espanhol também explicou a forma como olhava para o episódio.

“Neste momento, a Argentina preocupa-me pouco. O mais importante é que o Miguel está bem. Para mim, isso é o mais importante. Cometi um grande erro na primeira parte da curva 4 e isso criou tudo. Travei e tive um bloqueio enorme na roda dianteira. Quando libertei o travão a minha ideia era ir para o lado esquerdo, mas a mota inclinou-se e não consegui evitar ir para o lado direito. Ainda consegui evitar o Martín, mas não consegui evitar o Miguel. Falei com ele no centro médico. Entendo que esteja chateado, porque ninguém quer sair assim de uma corrida. Saiu da corrida por causa de um erro meu. Pedi desculpa. Primeiro, quero desculpar-me perante o Miguel. Depois, perante a equipa dele. E, em terceiro, perante os portugueses. Ninguém quer contacto, ninguém quer acabar a corrida assim. Saí-me muito mal, o Miguel é um bom rapaz e este era o seu Grande Prémio”, defendeu o piloto da Honda.

Depois da queda e do traumatismo cranioencefálico, Marc Márquez volta a ter uma crise de diplopia, um problema de visão dupla

Ora, independentemente dos arrependimentos de Marc Márquez, a verdade é que Miguel Oliveira e a RNF Aprilia não foram os únicos a criticar a atitude do espanhol. Aleix Espargaró, da Aprilia, foi muito duro com o compatriota e defendeu sanções com maior grau de gravidade. “São coisas que acabo por não entender, o acidente do Marc parece-me gravíssimo. Podia ter rebentado o joelho ao Miguel, ficava sem correr o resto da vida. Foi um impacto brutal. Fico com a sensação de que não aprendemos. Depois das quedas de ontem, hoje arrancámos da mesma maneira. Para mim, ele tinha de ser excluído da próxima corrida, no mínimo. É ridículo. É isso que espero, mas não sou a fazer as regras”, atirou, numa intenção que acabou por não se concretizar.

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Também Jorge Martín, que viu a própria corrida ficar estragada devido ao toque com Marc Márquez antes de a Honda abalroar a Aprilia de Miguel Oliveira, abordou o assunto. “É sempre a mesma coisa. Chegámos a um ponto em que… Não sei! Temos de melhorar alguma coisa, não pode ser assim. Acontece a mesma história em todas as corridas. Espero que a direção de corrida faça alguma coisa, sinceramente. Estou um pouco cansado disto. Espero que façam alguma coisa e que o assunto tenha solução. Se me pediu desculpas? Não. Nem estava à espera disso. Quando saio para a pista prefiro tê-lo à minha frente, porque sei que se não for o caso vou levar um toque. Espero que não volte a fazer o que fez hoje, que foi destruir a corrida de dois pilotos”, indicou o também espanhol da Pramac.

Aos 30 anos, Marc Márquez é um dos maiores campeões de sempre do MotoGP mas caiu num aparente beco de saída a partir de 2020. Depois de perder praticamente toda a temporada desse ano devido a uma fratura no braço, foi operado ao úmero em diversas ocasiões, teve de ser submetido a uma cirurgia ao ombro e está constantemente à mercê de crises de diplopia, uma condição crónica em que fica com visão dupla e não pode sequer olhar para a televisão. Pelo meio, perdeu o comboio das lutas pelo título, assistiu enquanto espectador à ascensão das Ducati e tem tentado — por todos os meios possíveis, como se vê — regressar ao topo.

“Não consigo explicar porque não consigo entender. Ontem estávamos a ter bastantes dificuldades, hoje é verdade que comecei a pilotar de uma forma melhor, eu próprio melhorei. Os rapazes fizeram um trabalho incrível, ao melhorar a mota nos pequenos detalhes. Estava sozinho e era consistente, mas para fazer uma volta muito rápida com a Honda precisamos, neste momento, de estar no cone de aspiração. Não é a melhor forma, não é a forma mais educada para fazer um tempo competitivo por volta, mas é um dos meus pontos fortes. Se o ponto forte está lá tenho de tirar proveito dele, não é fácil seguir um piloto. Atualmente, é a única maneira que temos”, explicou o espanhol no sábado, logo depois de garantir a primeira pole-position da temporada, deixando claro que só atingiu um ritmo interessante à boleia dos outros pilotos.

Em Espanha, apesar de praticamente toda a comunicação social concordar com as críticas a Marc Márquez e estar consciente de que o piloto cometeu um erro, a opinião pública está mais preocupada com um outro lado da vida do espanhol. É que, segundo os mais entendidos, Márquez terá começado a namorar com María Pedraza, jovem atriz das séries “Casa de Papel” e “Elite” — que até esteve no Algarve, a apoiar o piloto, durante este fim de semana. Tenha ou não namorada nova, a verdade é que o espanhol é cada vez mais o vilão assumido de um MotoGP onde já foi um verdadeiro herói.