O Governo entrou no debate sobre a medida de redução do IVA em modo justificativo. Desde logo, para explicar porque é que a medida só é, afinal, tomada agora, quando começou por dizer que seria ineficaz e que a inflação seria um fenómeno transitório. “A medida não vem tardiamente, como alguns criticam, porque este não é o momento zero”, atirou na intervenção de abertura o secretário de Estado Adjunto de António Costa, António Mendonça Mendes.

E não é o momento zero porque houve outras medidas de apoio antes, justificou. “Acrescenta a todas as medidas que temos vindo a tomar e não pode ser vista isoladamente. As medidas devem ser vistas no conjunto”, frisou o governante, lembrando os apoios específicos que o Governo foi criando para apoiar as famílias ou para atenuar os aumentos nos combustíveis — e falando numa medida “de magnitude sem comparação” que vem agora “complementá-las”.

As explicações continuaram: a medida, acredita o Governo — e aconselhou a oposição a “acreditar” também — vai funcionar porque tem como “garantia expressa” um pacto em que há “obrigações de transparência e informação”.

Mas a oposição está longe de estar satisfeita — seja com o timing da iniciativa ou com a medida em si. O PSD quis conhecer melhor os contornos do acordo assinado com a produção e a distribuição, criticando o que parece ser um impacto “curto” da medida, assinalou o deputado Paulo Rios. “Se isto falhar, a responsabilidade é do Governo”. E questionou exatamente “em que dia” é que os portugueses poderão contar com este desconto. Depois, Afonso Oliveira, também do PSD, carregou nas tintas contra uma medida que descreveu como “paternalista” e de efeito “residual”.

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“Em janeiro o PS dizia que estas medidas só vão fazer pior. O PS votou cinco vezes contra o IVA zero”, atacou por seu lado André Ventura, acusando os socialistas por diversas vezes de terem “falta de vergonha” e de terem lucrado com o imposto — chegando ao “brilharete” do défice de 0,4% — antes de terem decidido baixá-lo. “Imagino que Fernando Medina tenha pedido ao secretário de Estado para vir fazer este frete”, acrescentou Ventura, exigindo ainda ao PS um pedido de desculpas e um reconhecimento de que se “enganou” ao não adotar a medida.

Ainda assim, o líder do Chega lembrou que os exemplos de outros países que adotaram a medida não asseguram que os preços pagos pelos consumidores vão mesmo baixar. “O Governo fez um acordo de cavalheiros. As pessoas não conseguem pagar alimentos nem medicamentos e vocês vêm com tretas”, atirou.

Ainda assim, a maior indignação de Ventura — e a que provocou maiores protestos na sala — foi quando decidiu fazer a ponte para o ataque que fez dois mortos esta terça-feira no Centro Ismaili de Lisboa, falando em quem “vem para cá cometer crimes e é de fora do país”. Seguiram-se pateadas, apupos, e Santos Silva a acabar por recomendar a Ventura um sermão em que Buda esteve calado a olhar para uma flor — “também se podia inspirar…”.

As críticas da Iniciativa Liberal foram mais alargadas e não se cingiram à medida de redução do IVA: o Governo não deveria orgulhar-se de estar a “ajudar” três milhões de pessoas em situação vulnerável, simplesmente porque não deviam existir três milhões “a precisar de ajuda para comer”, atirou o deputado Carlos Guimarães Pinto. Tudo resultado de um modelo de desenvolvimento que estimula a “dependência” e é uma “manta de retalhos”: “Há algo de profundamente errado na estratégia que o país tem seguido”. E lembrou a proposta que a IL tinha apresentado para aplicar uma taxa só de IRS a todas as pessoas que ganhassem metade do ordenado dos deputados.

Esquerda diz que vai “correr mal” e desconfia dos supermercados

Sem nenhuma regra sobre o que serão os preços finais ao consumidor, argumentou Catarina Martins, se a medida vai correr bem o cabaz de produtos essenciais vai continuar 2% mais caro do que há um ano e se correr mal “não passará de uma promoção paga aos supermercados com 410 milhões de euros dos contribuintes”. “A experiência diz-nos que tem tudo para correr mal”, atirou, lembrando também exemplos como o de Espanha. “Não se explica a inflação sem olhar para os lucros da grande distribuição. É preciso controlar preços e margens para garantir que mesmo esta pequeníssima descida chega aos bolsos dos portugueses”. Coisa que já foi feita, recordou, com o controlo dos preços das máscaras na pandemia ou os tectos aos preços do gás.

“Há compromisso, há boa fé, há acordo – isso significa zero”, acabou por rematar a bloquista Isabel Pires.

Do lado do PCP, as mesmas dúvidas: a líder parlamentar, Paula Santos, disparou contra o “aproveitamento dos grupos económicos” — na pandemia e na guerra — e contra tanto a direita como o PS, que diz protegerem os lucros desses grupos. Entretanto, o Governo “encolhe os ombros” e “recusa adotar todas as soluções” para controlar os preços e recuperar o poder de compra, lamentou. Sobre a medida em concreto, mais uma vez, o mesmo remate: “A proposta não dá nenhuma garantia de uma efetiva redução dos preços”.

Foram tantas as acusações de “negócio” com a grande distribuição que o Chega acabou a invocar a figura regimental da defesa da honra contra o PCP. E Mendonça Mendes disse não poder aceitar as insinuações dos comunistas, que acusou de dividirem o mundo entre “bons e maus”.

No Livre, Rui Tavares questionou se o Governo, quando criticava esta mesma medida, estaria a considerá-la apenas “cara”. “O Governo dá-nos fezada e uma conversa”, atirou, também com dúvidas sobre a eficácia da medida e prometendo apresentar alterações à proposta de uma comissão de acompanhamento da medida para que se transforme numa espécie de “reuniões do Infarmed da inflação”.

Já o PAN voltou a insistir nos produtos de origem vegetal (cuja ausência do cabaz diz ser “incompreensível”), criticou o caráter “tardio” da medida e a falta de opções de fundo, como uma mexida no IRS que beneficiasse mais a classe média. Sem sucesso: Mendonça Mendes lembrou que há 28 alimentos “aptos” para vegetarianos (embora não estejam incluídos produtos como seitan, tofu ou soja) e lembrou que o cabaz tem por base a análise dos alimentos mais consumidos pelos portugueses.