Um mal menor. É assim que os partidos que propuseram o projeto de lei para despenalizar a eutanásia parecem ver a nova versão do texto, que será votada esta sexta-feira. Com uma alteração de fundo — a eutanásia passa a só ser possível se o paciente não conseguir fisicamente recorrer ao suicídio assistido –, a filosofia do diploma mudou e o PS admite que não se sente “absolutamente confortável” com a proposta, enquanto o Chega alega que será mesmo ilegal e já pediu novo adiamento da votação.

Apesar de a proposta ter sido proposta por PS, IL, BE e PAN, e preparada em grande parte pela socialista Isabel Moreira, o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, deixou clara a sua posição (e de parte do PS) esta quinta-feira, um dia depois de a nova versão do texto, que vem responder a um veto do Tribunal Constitucional, ter sido entregue no Parlamento.

“Devo dizer que muitos de nós não se sentem absolutamente confortáveis com esta solução, preferiam a do diploma original“, admitiu Eurico Brilhante Dias, referindo-se à questão do suicídio assistido — um problema que os deputados “anteciparam”, uma vez que não fazia parte do acórdão do TC mas havia vários juízes que o levantavam nas respetivas declarações de voto, e quiseram resolver preventivamente.

E, para o PS, essa pode ser a resposta para finalmente conseguir aprovar o diploma, depois de cinco anos de avanços e recuos — mesmo que não seja a solução ideal. “Procurámos antecipar e responder ao que podia ser sinalizado como uma eventual inconstitucionalidade”, justificou Brilhante Dias, explicando que o PS “percebe” que a prioridade é ter uma lei “que chegue às pessoas e acuda às pessoas“.

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“Demos um passo em frente para termos uma boa lei. Hoje temos a convicção de que temos um texto mais robusto. Temos a confiança de que demos os passos necessários para ter um diploma que esteja no quadro da Constituição mas sobretudo que chegue às pessoas que bem precisam de que esta lei seja aprovada”, disse, antes de deixar um aviso dirigido ao Tribunal Constitucional e a Marcelo Rebelo de Sousa, que já travaram as propostas do Parlamento: “Espero que conjunto dos órgãos de soberania perceba que todo o exercício que nós fizemos é honesto, justo e que acreditamos profundamente que responde à Constituição”.

Do lado do Bloco de Esquerda, uma reação semelhante: no Parlamento, o líder da bancada, Pedro Filipe Soares, também explicou que este caminho “não era a pretensão inicial de nenhum dos grupos parlamentares”, mas assegurou não estar a avançar com a proposta “com reticências”. “A ser aprovada, é avanço nos direitos do nosso país e caminho que há muito queríamos ter alcançado. Temos de aprender com todos os passos ao longo deste percurso. Vamos estar a maximizar probabilidade de o Tribunal Constitucional dar uma opinião positiva”.

Menos seguro disso está o Chega. Também no Parlamento, André Ventura veio assegurar que a nova versão dá ainda menos garantias de estar conforme a lei, apontando para o artigo 135 do Código Penal, que pune o auxílio ou incitamento ao suicídio.

“Além de um erro, é uma contradição jurídica. Estamos a colidir frontalmente com o Código Penal”, apontou o também jurista Ventura, classificando a nova proposta como uma “enormidade jurídica” e “um absurdo” sem “qualidade técnica”, independentemente da opinião de fundo sobre a eutanásia.

Criticando o facto de a nova proposta só ter sido entregue na quarta-feira e isso dar pouca margem para os outros grupos parlamentares fazerem a sua apreciação, Ventura revelou também que vai pedir o adiamento do debate marcado para sexta-feira e que, se isso não acontecer, já pediu a Marcelo Rebelo de Sousa para o receber no início da próxima semana. Entretanto, o Chega já entregou um requerimento em que pede quinze dias de adiamento.

“Se isto for aprovado, não vejo outra solução que não o veto direto do Presidente”, defendeu Ventura, embora, ao contrário do Bloco, diga acreditar que Marcelo não vai desta vez pedir a fiscalização da constitucionalidade ao TC por não querer alimentar a “conflitualidade” com o Parlamento.

Se não o fizer, o próprio líder do Chega garante que tratará do assunto, desafiando os deputados do PSD (que têm liberdade de voto nesta matéria) a juntarem-se ao Chega para pedir a fiscalização da lei aos juízes do Palácio Ratton, uma vez que sozinho o Chega não tem deputados suficientes para o fazer.

Já Joaquim Miranda Sarmento, do PSD, veio sustentar que o partido manterá a decisão de dar liberdade de voto, com duas notas: o partido também lamenta que a proposta tenha sido distribuída tarde e continua a insistir que a questão se deveria resolver com um referendo.