Está entregue a nova versão, corrigida, do projeto de lei para despenalizar a eutanásia. Atendendo às críticas dos juízes do Tribunal Constitucional, mas também a um problema que os deputados decidiram, por iniciativa própria, antecipar, as bancadas de PS, BE, IL e PAN entregaram no Parlamento, esta quarta-feira, mais uma tentativa para permitir a eutanásia por lei.

No texto,  a que o Observador teve acesso, os partidos voltam à primeira definição de sofrimento que tinham incluído nos projetos. Ou seja, se o tribunal entendeu que a expressão “sofrimento físico, psicológico e espiritual” não permitia perceber se isto são condições alternativas ou cumulativas, os deputados decidiram voltar a falar apenas em “sofrimento”, sem esses adjetivos, mesmo que entendam que os juízes fizeram interpretações erradas do seu conceito — incluindo quando entenderam que o conceito de “sofrimento físico” equivaleria a “dor física”.

Ou seja, na parte da lei que determina os conceitos, os deputados dizem que o sofrimento deve ser “decorrente de doença grave e incurável ou de lesão definitiva de gravidade extrema, com grande intensidade, persistente, continuado ou permanente e considerado intolerável pela própria pessoa”. Ou seja, retiram a parte que determinava que esse sofrimento deve ser “físico, psicológico e espiritual”, para não causar mais dúvidas aos juízes.

Por outro lado, fica explícito que a eutanásia deve ser subsidiária em relação ao suicídio assistido, um problema que o Tribunal Constitucional não tinha levantado, mas que vários juízes tinham apontado nas suas declarações de voto. E os deputados decidiram antecipar esse potencial obstáculo. Ou seja, a primeira alternativa deve ser o suicídio assistido — praticado pelo próprio paciente, com acesso a fármacos — e só depois deve vir a eutanásia — caso não consiga fazê-lo sozinho.

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Nesta versão, fica explícito que a morte medicamente assistida só pode ocorrer por eutanásia “quando o suicídio medicamente assistido for impossível por incapacidade física do doente”. E esclarece-se que os métodos possíveis são, então, a “autoadministração de fármacos letais” pelo doente ou a sua administração pelo médico ou profissional de saúde habilitado para isso, sob supervisão médica, mas quando “o doente estiver fisicamente incapacitado de autoadministrar fármacos letais”.

A nova tentativa de fazer aprovar a eutanásia chega depois de a última versão do texto ter voltado a ser bloqueada pelo Tribunal Constitucional, no final de janeiro.

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Nessa altura, o TC considerava que o conceito de sofrimento era problemático por ser “privado e pessoal” e por natureza “multidimensional”, pelo que mostrava “reservas quanto à conceção de sofrimento físico”, especificamente. Além disso, com o uso da conjunção “e” — o sofrimento devia ser físico, psicológico e espiritual — ficava a dúvida sobre se seria preciso que fosse cumulativo para que o doente pudesse proceder à eutanásia.

Logo nessa altura, a primeira ideia dos deputados foi deixar cair o “e” juntamente com essa definição de sofrimento em várias dimensões, que não aparecia nas primeiras versões da lei. Mas a isto acabaram por juntar a questão da prioridade ao suicídio assistido, que acaba por tornar o leque de situações em que a eutanásia poderá ser praticada muito mais restrito.

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Se esta versão parece responder às dúvidas do Tribunal Constitucional, por saber fica a opinião de Marcelo Rebelo de Sousa, que tinha enviado a versão anterior da lei para o Palácio Ratton levantando um conjunto mais alargado de problemas — do facto de não terem sido ouvidas as assembleias legislativas dos Açores e da Madeira ao facto de os deputados terem deixado cair a expressão “doença fatal”. Mas, sobre esses pontos, os juízes não deram razão ao Presidente da República.

Resta saber o que fará Marcelo, desta vez, quando o diploma de aprovação quase garantida — desde 2020 que as várias versões da proposta foram sempre aprovadas no Parlamento — chegar a Belém, uma vez que já vetou uma delas e enviou a versão anterior para o TC.