Depois dos depoimentos dos dois arguidos acusados da morte de um agente da PSP à porta da discoteca MOME, em Lisboa, em março do ano passado, a mãe de Fábio Guerra — que se constituiu assistente neste processo e que avançou com um pedido de indemnização civil — quis falar logo na primeira sessão do julgamento. Nervosa, entrou na sala e, na presença dos dois arguidos, Cláudio Coimbra e Vadym Hrynko, a mãe de Fábio Guerra parou à frente da juíza e, ainda com a mala pendurada no ombro, ouviu a juíza: “Consegue prestar as suas declarações sem que os arguidos tenham de sair da sala?”

A resposta foi positiva. “Peço que se acalme, sei que está nervosa. Ponha a sua mala aí atrás. Cá estamos para ouvi-la”, clarificou a juíza. E, em menos de um minuto, Elsa Guerra respondeu apenas a duas perguntas feitas pelo Ministério Público: se suportou as despesas do funeral do filho e se recebeu alguma indemnização. Respondeu “não” à primeira questão e “sim” à segunda. A mãe de Fábio Guerra recebeu cerca de 170 mil euros “por parte do Estado”, explicou.

Julgamento dos dois ex-fuzileiros por homicídio do agente da PSP começa esta terça-feira

Ao contrário da mãe de Fábio Guerra, que quis prestar declarações na presença dos arguidos, a primeira testemunha a falar, apesar de estar a ser ouvida através de videoconferência, pediu anonimato — sem imagem e com voz distorcida. Mas o tribunal, disse a juíza, “não entendeu que a medida devesse ser mais intensa” que o testemunho à distância. “A situação foi devidamente avaliada por quem tem competência para o fazer”, continuou a juíza, esclarecendo que seria necessário ver a testemunha e não aplicar qualquer efeito na sua voz.

A primeira reação da testemunha foi negativa: nessas condições, não queria testemunhar. Mas acabou por mudar de ideias e prestou testemunho. Com uma condição: os dois arguidos não podiam estar na sala. “Perceberam o que aconteceu? Vocês vão um bocadinho lá para fora e depois direi o que aconteceu”, avisou a juíza, olhando para Cláudio Coimbra e Vadym Hrynko.

Assim que os dois arguidos saíram, o olhar da sala desviou-se para o ecrã colocado no canto direito e percebeu-se que a primeira testemunha era precisamente Cláudio Pereira, o jovem que também esteve naquela noite na discoteca e que diz agora ter sido ameaçado. Foi com esta testemunha que começaram as agressões ainda dentro da discoteca MOME, continuando depois no exterior.

Cláudio Pereira disse que estava a dançar e foi “agredido por uma cabeçada por um indivíduo e com um murro por outro indivíduo”. Depois, terá sido expulso da discoteca por um dos seguranças, mesmo garantindo que era ele a vítima. Esta lógica levou, aliás, um dos advogados da defesa a referir que, no seu tempo, “quem era expulso da discoteca era quem batia”. Neste ponto do depoimento, a juíza prende-se nas características físicas da testemunha: Cláudio Pereira diz medir um metro e 87 centímetros e Cláudio Coimbra, um dos arguidos, e que terá dado a cabeçada dentro da discoteca, diz ter menos 10 centímetros.

“Como é que uma pessoa mais baixa consegue dar-lhe uma cabeçada na testa?”, perguntou a defesa deste arguido. A resposta não foi esclarecedora: “Não sei, mas aconteceu.” E as dúvidas de Cláudio Pereira foram, aliás, várias:

– No exterior da discoteca, mais ou menos quantas pessoas estavam por aí?

– Não sei.

– Estavam polícias civis no local. Como é que sabe? 

– Não sei, vi nas notícias. 

– No exterior da discoteca, mais ou menos quantas pessoas estavam por aí? 

– Não sei. 

Sobre certezas, Cláudio Pereira garante que esperou, mais ou menos, dez minutos fora da discoteca, depois de ter sido expulso pelo segurança. “Queria pedir explicações”, disse, sem especificar a quem se dirigia. “Assim que essa pessoa sai da discoteca, olha para mim e começa a rir. Ele estava, literalmente, a gozar com a situação que tinha acabado de acontecer”, continuou, referindo-se a Claúdio Coimbra, um dos arguidos acusados de um crime de homicídio qualificado, três crimes de ofensas à integridade física qualificadas e um crime de ofensas à integridade física simples.

Depois desta descrição, o Ministério Público quis mostrar as imagens das câmaras de vigilância, que captaram as agressões daquela noite. E a história continuou, com Cláudio Pereira a ver as imagens e a fazer um relato: “Estava parado, depois andei para a frente. Estava com o Pedro Costa. Depois foi quando agredi aquela pessoa. Agrediram-me. Estava no chão e já estava inconsciente”.

Cláudio Coimbra, campeão de boxe amador em 2021, admitiu ter pontapeado Fábio Guerra

Ainda durante a manhã, foram ouvidos os dois arguidos deste caso, que contaram as suas versões daquilo que aconteceu na madrugada de 19 de março do ano passado. Nunca na presença um do outro — enquanto Claúdio Coimbra falava, Vadym Hrynko estava fora da sala e vice-versa. E Cláudio Coimbra, que foi campeão de boxe em 2021, admitiu, segundo o Público, que pontapeou Fábio Guerra, o agente da PSP que morreu naquela noite, aos 26 anos.

Este arguido sublinhou que não sabia que Fábio Guerra era agente da PSP e que os pontapés que terá dado ao jovem foram atos irrefletidos e que surgiram depois de Fábio Guerra lhe ter dado um murro.