Na audição a Manuel Beja, chairman da TAP, o PS atirou para cima da mesa um parecer da Linklaters que, a propósito da inclusão nos contratos de gestão que estavam a ser redigidos de uma cláusula sobre quem suportaria os custos e indemnizações que pudessem decorrer para administradores da TAP de processos por atos praticados nessas funções, escreve preto no branco que: “o Regime Jurídico do Setor Público Empresarial (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro, e posteriormente alterado) é aplicável a essas sociedades e o Estatuto do Gestor Público (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, e posteriormente alterado) é aplicável aos membros do Conselho de Administração”.
O parecer linklaters foi enviado por Manuel Beja aos ministros das Infraestruturas e das Finanças a 12 de janeiro de 2022, antes de ser assinado o acordo de saída da Alexandra Reis, que recebeu uma indemnização de meio milhão de euros, pelo facto da sua rescisão não ter sido enquadrada no Estatuto do Gestor Público (EGP). Ou seja, a TAP sabia que estava abrangida pelo estatuto, mas não o aplicou na saída de Alexandra Reis. E teve como enquadramento a preparação dos contratos de gestão que o Estado teria de assinar com os administradores da TAP para cumprir um requisito previsto no diploma do gestor público.
Apesar de incidir sobre outro tema — direito dos gestores a terem uma cobertura financeira do Estado contra riscos de litígio e processos resultantes da execução do plano de reestruturação — o parecer refere explicitamente:
“O Estatuto do Gestor Público também refere o que não pode ser regulado ao abrigo do contrato de gestão, sinalizando assim claramente quais são as áreas que tanto o gestor público como o Estado português não podem desviar do quadro legal; isto abrange basicamente aspetos que se referem ao fim das funções como membros do conselho de administração — ou seja, o fim da relação contratual”.
Por outras palavras, fica claro que a saída de administradores e fim da sua relação contratual com a empresa só pode ser feita ao abrigo do estatuto do gestor público, e não pela fórmula jurídica apontada pelos assessores jurídicos da TAP e de Alexandra Reis que é sustentada no código das sociedades comerciais.
Este parecer que acompanhava uma carta enviada por Manuel Beja aos ministros Pedro Nuno Santos e João Leão fez o PS assumir que a CEO, Christine Ourmières-Widener, tinha omitido ou faltado a verdade sobre não saber a aplicação do EGP no caso de Alexandra Reis. Até levou Carlos Pereira, o coordenador socialista que novamente nesta audição não fez qualquer pergunta (coube a Bruno Aragão a fazer as inquirições socialistas), a, no decurso da audição, chamar os jornalistas à margem para fazer uma declaração em que atirava à CEO.
Para Carlos Pereira, o parecer da Linklaters alertava precisamente os administradores da TAP de que estavam todos sujeitos ao estatuto de gestor público e que a TAP estava sujeita ao regime do setor empresarial do Estado. O que, nas palavras de Carlos Pereira, “confirma o relatório da IGF de que não era possível fazer-se o acordo com Alexandra reis. E por isso era ilegal e nulo”.
Manuel Beja realça que este parecer foi dado no âmbito da preparação dos contratos de gestão, pelo que mantinham-se dúvidas sobre a aplicação noutros casos, até porque em algumas matérias a TAP estava excluída.
“Que estávamos ao abrigo do estatuto do gestor público era do nosso conhecimento. Só que há exceções que não se aplicam. Era do conhecimento e tem suscitado dúvidas da aplicação das exceções”. Uma dessas dúvidas foi discutida com João Galamba e prende-se com a obrigação ou dispensa do dever de pagar bónus à presidente executiva da TAP. Ou seja, há dúvidas sobre se esse bónus (reclamado por Christine Ourmières na sua audição) é devido.
E daí Manuel Beja passa para o caso Alexandra Reis, para dizer que não conhecia as normas de destituição. E que “se conhecesse não assinaria e teria invocado o EGP”.
O ainda chairman da TAP diz não acreditar que o ministro Pedro Nuno Santos tivesse percebido que se aplicava o estatuto do gestor público à saída de Alexandra Reis, como ele próprio não teve quando leu o parecer da Linklaters sobre os contratos de gestão. Realçando também que “é evidente que todos os envolvidos no processo, incluindo sociedades de advogados de renome, não tiveram consciência de que se aplicava neste caso o estatuto do gestor público”.
Segundo o parecer da Linklaters a que o Observador teve acesso, “os riscos que decorrem para os membros do Conselho de Administração da TAP SGPS e da TAP SA devem ser lidos no contexto das alterações ao capital social da TAP SA, que puseram termo à relação de domínio até então existente entre a TAP SGPS e a TAP SA, mas também da sua classificação como empresas públicas e da consequente aplicação do Regime Jurídico do Setor Público Empresarial, a que a acresce, com grande preponderância, a necessidade de implementação do recém aprovado Plano de Reestruturação”.
Os administradores pretendiam que nos contratos de gestão ficasse claro quem suportaria custos em casos de processos por atos na transportadora, até porque, esclarecia a sociedade de advogados, havia riscos que não estavam devidamente cobertos nos termos dos seguros de D&O em vigor, devido às baixas coberturas e às exclusões expressamente incluídas. “Assim, propor uma cláusula para lidar com os temas dos custos e indemnizações que possam ter que vir a suportar por atos praticados no exercício das suas funções, a ser incluída nos Contratos de Gestão, constitui uma forma legítima e adequada de lidar com esses riscos”.
O parecer à Linklaters foi pedido depois de uma outra interpretação feita pela Direção Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) que recusava a inclusão dessa cláusula nos contratos de gestão.
Foi a propósito deste parecer e das declarações à margem de Carlos Pereira que Manuel Beja acabou por desabafar, em resposta a Filipe Melo, que parecia que o papel do PS na comissão não era o de escrutínio, mas um papel de proteção do Governo.
“A 27 de fevereiro, fontes governamentais referiram ao Eco que a responsabilidade do processo foi feita pelo presidente do conselho de administração, e é hoje completamente evidente que não estive envolvido. Se tivéssemos consciência, teríamos aplicado o estatuto do gestor público. Não resiste ao menor teste de lógica esse tipo de assunções. O papel do grupo parlamentar do PS nesta comissão não é um papel de escrutínio, é um papel de proteção do Governo. Admito que esteja a entrar na interpretação. Pode perguntar ao grupo parlamentar do PS como é que chega a essas conclusões ilógicas”, criticou.
Perante a “estupefação” do Chega sobre a afirmação, Manuel Beja não quis repetir a declaração e disse que “deixo para si e para os seus colegas a luta política”.
A intervenção motivou uma interpelação de Bruno Aragão, do PS, que considerou as declarações de Manuel Beja um “excesso de linguagem que coloca em causa a honestidade” da intervenção do PS.
Manuel Beja referiu ainda que soube que a CEO da TAP esteve reunida com o GPPS e com membros do governo apenas no momento em que foi discutido na comissão.
Atualizado às 14hoo de quarta-feira com o parecer da Linklaters.