Manuel Beja não poupou, na sua intervenção inicial na comissão parlamentar de inquérito à TAP, o Governo. Nenhuma das tutelas ficou livre das palavras do chairman, gestor que foi demitido por Fernando Medina e João Galamba, na conferência de imprensa na qual foi relevada a auditoria da Inspeção-Geral das Finanças (IGF).
A função do conselho de administração, começou por indicar, é ter “um papel de apoio, incentivo, desafio e escrutínio da ação da Comissão Executiva, propondo ideias e sugestões e alertando para riscos ou perspetivas para os quais os executivos possam não estar atentos”. Daí que considere que “um conselho de administração moderadamente interventivo contribui para o adequado equilíbrio de poderes e para que a comissão executiva se concentre no seu desígnio, apoiada e se necessário refreada pelo conselho”. Para Manuel Beja tinha de haver três condições para que a eficácia do conselho fosse garantida: existência de uma maioria de administradores não executivos; prestação de informação completa e transparente pela comissão executiva e apoio do acionista e o respeito “substancial” pelas competências de cada órgão e canais de comunicação.
“Estas três condições foram progressivamente erodidas no decorrer do mandato, em larga
medida por inação do acionista”, começa Manuel Beja, para depois ir mais longe, quando passou a falar sobre o exercício da tutela na TAP.
“Este exercício de tutela política começou muito bem, mas perdeu o Norte ao longo do caminho”. Pedro Nuno Santos e Miguel Cruz, respetivamente ministro das Infraestruturas e secretário de Estado do Tesouro, foram elogiados no papel das negociações do plano de reestruturação em Bruxelas e na decisão que tomaram em solucionar a crise pandémica na transportadora e posteriormente ao recompor o conselho de administração.
“O Ministério das Infraestruturas e Habitação assumiu uma liderança determinada e clara no dossier TAP. Assegurou a articulação com o Ministério das Finanças, o que, no início, protegeu a TAP de dissensões entre as duas tutelas e procurou mitigar os efeitos da lentidão e inação da tutela financeira”, com a tutela setorial a assumir a intenção de se “autoimpor contenção na ação,
exercendo o seu papel enquanto co-representante do acionista, mas evitando ingerências ilegítimas, permitindo assim a cada órgão exercer as suas competências”.
Só que, atira, “0 princípio da não interferência foi sendo progressivamente substituído pela prática do controlo”. E enumera o que diz ser esse controlo. Primeiro empenhou-se nas negociações com sindicatos, mas foi mais longe. “Tornou-se também evidente que qualquer tema que pudesse ter repercussão mediática teria de passar o crivo do mesmo Ministério, ou de ambos. Seguiram-se ingerências na gestão, inclusive corrente, que são hoje públicas”. E dá um exemplo: os comunicados de imprensa “passavam pelo visto prévio dos ministérios, em matérias da competência da comissão executiva ou do Conselho de Administração”.
A saída de Alexandra Reis — que diz que podia ter sido evitada, mas que acabou por ter o acordo com a sua assinatura por considerar que não cumprir com uma decisão do acionista poderia ser considerava uma quebra do dever de lealdade” — evidenciou os problemas de governação na TAP. Aliás, Manuel Beja, na única declaração que lhe era conhecida antes desta audição e depois do despedimento, já tinha atacado este ponto. E a saída de Alexandra Reis foi iniciativa de Christine Ourmières-Widener, ainda que “a decisão sobre a saída foi tomada pelo acionista, aqui representado pela tutela setorial, como foi assumido pelos responsáveis políticos à data dos
acontecimentos.”
A redistribuição de pelouros na comissão executiva seria, no entender de Manuel Beja, um esvaziamento “objetivo” das funções de Alexandra Reis, “criando uma situação pouco sustentável no seio daquela comissão. Em qualquer caso, tive sempre claro que qualquer decisão de alteração na composição do Conselho de administração seria da exclusiva responsabilidade do acionista”.
Presidente não executivo Manuel Beja, que foi despedido, atira à tutela e aos conselheiros jurídicos
Diz mesmo que em vários momentos alertou “os seis membros do Governo das duas tutelas com quem trabalhei para a necessidade de introduzir melhorias na governança da TAP que são de sua exclusiva responsabilidade”. Diz ter proposto medidas. “Sem resultados. Fi-lo mais recentemente numa reunião conjunta com os ministros Fernando Medina e João Galamba a 10 de janeiro do corrente ano” — Este encontro realizou-se por iniciativa do gabinete de Galamba e contou com a sua presença. Manuel Beja diz que reuniu pela primeira vez — e única vez — com Medina este ano, oito meses depois de ter pedido.
“A ação da tutela política da TAP, em avaliação nesta comissão, culmina na decisão injustificada das duas demissões dos presidentes do Conselho de Administração e da Comissão Executiva que só pode ser interpretada à luz de fatores de conveniência política-partidária”. Assumindo-se “seguro e tranquilo quanto ao papel” que desempenhou e as decisões tomadas, Manuel Beja garante estar “determinado a defender a minha honra pessoal e profissional perante quaisquer conveniências políticas que este processo encerre”.
Manuel Beja continua em funções e irá manter-se, mas não sabe até quando.