Está finalmente revelada toda a programação do IndieLisboa, festival de cinema independente que, à vigésima edição, quebra o recorde de maior número de filmes de sempre: são 314. Entre obras de realizadores consagrados e novos olhares do cinema português, há formatos explorados pela primeira vez, como sessões para ver dentro de água e até encontros amorosos para cinéfilos. E há também uma “retribuição simbólica” para os filmes portugueses selecionados.

Susana Santos Rodrigues, um dos três elementos da direção do IndieLisboa, que arranca a 27 de abril e se prolonga até 7 de maio, diz que esta é uma edição de “experimentação”. “É um pouco o espírito deste ano e para o futuro próximo do festival, experimentar coisas, testar o que funciona e a partir daí ir evoluindo também”, diz ao Observador. Desde logo serão testados dois espaços que se juntam aos habituais (a saber: Cinema São Jorge, Culturgest, Cinemateca Portuguesa, Cinema Ideal). O primeiro é o Cinema Fernando Lopes, dentro do campus da Universidade Lusófona, no Campo Grande, que abriu ao público em maio do ano passado e que é explorado pela Cinetoscópio, empresa que junta Stefano Savio (Festa do Cinema Italiano, Risi Film) Luís Apolinário (Alambique Filmes) e Luís Urbano (O Som e a Fúria). A sala de cinema, que é também usada pela universidade e pelo Cineclube de Alvalade, receberá filmes que não se cruzem com esta agenda “complexa”.

O segundo novo espaço é mais inesperado e um desejo antigo da organização que foi sendo adiado pela pandemia: a Piscina da Penha de França. É dentro de água, em boias insufláveis, que será possível assistir a três sessões de curtas: duas delas integradas no IndieJúnior, com obras à volta da temática da água.

Entre outros formatos explorados pela primeira vez no festival está o Indiedate, um “encontro cinéfilo”. “Vamos tentar juntar [pessoas], não necessariamente com o objetivo apenas romântico. A ideia é que seja um parceiro de cinefilia que se pode descobrir no IndieLisboa”, adianta Susana Rodrigues. Para o filme After, do francês Anthony Lapia, que se estreou no festival de cinema de Berlim e que chega via competição internacional, estará disponível um “bilhete-experiência” que inclui um formulário com perguntas. “Mediante esse questionário processamos essa informação e faremos um match com alguém”, explica a responsável. Depois, as parelhas ficarão “sentadas uma ao lado da outra na sala de cinema”. O bilhete dará também acesso à festa que se segue à sessão.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Competição Nacional: cruzamento de veteranos e estreantes

Depois de um 2022 atípico, com nove títulos, a competição nacional do IndieLisboa regressa com seis longas-metragens, entre regressos ao festival e alguns estreantes. Eis a primeira oportunidade para ver o díptico de João Canijo, Mal Viver e Viver Mal, acabado de chegar da Berlinale, sobre as mulheres de uma família que gere um hotel decadente na costa norte de Portugal, ou o novo filme de Susana Nobre, Cidad Rabat, uma “comédia melancólica” sobre uma produtora de cinema. Nesta meia dúzia de filmes inclui-se também Índia, estreia de Telmo Churro nas longas-metragens, sobre três gerações de homens e uma turista, Rosinha e Outros Bichos, filme de Marta Pessoa que explora o mito de que “Portugal não é um país racista”, e A Primeira Idade, a estreia na realização de Alexander David, que mostra uma comunidade autónoma de crianças que vive numa ilha isolada. A competição nacional de longas fica completa com Astrakan 79, de Catarina Mourão, sobre as memórias de um homem que esteve na União Soviética, em 1979, enviado pelos pais, ambos militantes do Partido Comunista.

“Cidad Rabat”, de Susana Nobre, é a estreia na ficção da autora de “No Táxi do Jack”.

Aparte da competição nacional, há temas que atravessam a programação. A diretora do festival destaca como “um dos pilares”, “as questões de género e vulnerabilidade, questões femininas, trans, queer“, que “conseguem ter um espelho em toda a programação de uma forma muito ampla”. Desde logo a começar pelo filme da abertura, Something You Said Last Night, da realizadora Luis De Filippis, sobre uma personagem trans em que o enredo se foca nas relações humanas e não num trauma sobre identidade, até Orlando, Ma Biographie Politique, de Paul B. Preciado, filme-sensação do último festival de Berlim, que parte do clássico de Virginia Woolf para questionar quem são “os Orlandos contemporâneos” com um casting de duas dezenas de pessoas trans e não binárias no papel de Orlando. Outros títulos pintados por estas questões de forma “mais ou menos subtil” são Vermelho Bruto, documentário de Amanda Devulsky “que se foca em quatro mulheres no Brasil que acompanham todo um contexto político desde a ditadura até à tomada de poder do Bolsonaro”, ou Saint Omer, primeira longa-metragem de ficção da francesa Alice Diop, que brilhou na competição oficial de Veneza.

Entre as novidades desta edição que ajudam a justificar a sua dimensão – a organização classifica-a como a maior de sempre – está uma nova competição. Trata-se da Smart7, que resulta da colaboração de sete festivais europeus de sete países diferentes: Festival Internacional de Cinema New Horizons (Polónia), Thessaloniki International Film Festival (Grécia), Festival Internacional de Cinema da Transilvânia (Roménia), FILMADRID (Espanha), Festival Internacional de Cinema de Reykjavik (Islândia), Festival Internacional de Cinema de Vilnius Kino Pavasaris (Lituânia) e, claro, o IndieLisboa.

Em competição estão os filmes Black Stone, de Spiros Jacovides (Grécia), Bread and Salt, de Damian Kocur, Índia, de Telmo Churro (Portugal), Mammalia, de Sebastian Mihailescu (Roménia), Mannvirki, de Gústav Geir Bollason (Islândia), Remember to Blink, de Austėja Urbaitė (Lituânia) e Secaderos de Rocío Mesa (Espanha). O prémio, atribuído por um júri constituído por um estudante de cada país dos festivais que compõem o Smart7, é atribuído no Thessaloniki International Film Festival, o último festival do ano que faz parte desta rede.

Filmes portugueses passam a receber “uma retribuição simbólica”

Questionada pelos possíveis efeitos do protesto que marcou a última edição do festival, em que a exibição do filme Frágil (2022), de Pedro Henrique (pseudónimo de João Eça), que integrava a Competição Nacional, foi antecedida por um discurso que acusava várias instituições, entre elas o próprio IndieLisboa, de promoverem uma cultura de precariedade na indústria cinematográfica portuguesa, Susana Santos Rodrigues revela que, pela primeira vez, os filmes nacionais selecionados receberam uma retribuição monetária.

“Normalmente um filme para passar deveria pagar direitos de exibição. Nem todos os festivais pagam, nem sempre é possível, uma vez que os orçamentos são sempre limitados”, reconhece a responsável. Há um ano, o cineasta de Frágil classificava essa prática como “exploração”: “são as próprias instituições, como os festivais de cinema ou o ICA, que depois se aproveitam deste trabalho que nunca foi pago para ganharem reconhecimento e valor. Sem os nossos filmes, os festivais não são nada”, citava então a Time Out.

De agora em diante, todos os filmes portugueses, curtas e longas metragens, presentes no IndieLisboa, receberão o “pagamento de um fee“, mas Susana frisa que a novidade “não é uma resposta ou uma reação à questão Frágil em si”, mas antes “uma preocupação que existia de antes e que se tentou este ano implementar”. “Tentou-se instituir uma regra, dentro de um valor simbólico, mas para de alguma forma iniciar um caminho nesse sentido”, avança ao Observador. A retribuição “simbólica”, cujo valor a diretor prefere não revelar, aplica-se a longas e curtas-metragens de produção nacional.