Escolas públicas que recusam a inscrição de alunos por serem diabéticos, crianças impedidas de fazer educação física ou professores que tratam os meninos por “o diabético” são algumas das denúncias da Federação de Pessoas com Diabetes.
“Temos conhecimento de muitos casos inacreditáveis que não podem acontecer, como por exemplo, termos professores que tratam as crianças por ‘o diabético'”, desabafou Emiliana Querido, presidente da Federação Portuguesa das Associações de Pessoas com Diabetes (FPAPD), em entrevista à Lusa.
O início do ano letivo é quando surgem mais problemas, porque é quando as escolas são confrontadas com chegada de novos meninos.
Em média, setembro é sinónimo de “dez novos pedidos de ajuda”, mas estão sempre a surgir novos casos: “No mês passado, por exemplo, ficámos a conhecer três novas histórias”, contou a responsável.
A maioria dos problemas acontece no pré-escolar ou no 1.º ciclo, quando as crianças ainda precisam de ajuda para vigiar a glicemia, administrar a insulina ou contar os hidratos de carbono que vão consumir.
Quando chegam à escola, as famílias sentem-se desamparadas ao descobrir que não existe a rede de apoio com que estavam a contar.
“Os pais não querem fazer queixa, querem apenas ser ajudados”, explicou Emiliana Querido, contando que existem relatos de todo o país, do litoral ao interior, tanto em escolas públicas como colégios privadas.
“Há escolas que simplesmente não aceitam a inscrição e estamos a falar de escolas públicas”, acusou a presidente da federação, contando que o argumento dos estabelecimentos é a falta de pessoal para responder às necessidades da criança.
A presidente da FPAPD recordou casos de “professores que não deixam a criança estar com os dispositivos de medição de glicemia consigo, que não deixam a criança ir à casa de banho. Quando existe uma visita de estudo, há já vários casos em que tentam que a criança não vá. Pedem declarações médicas que não são de todo necessárias”.
Emiliana Querido contou ainda a história de “uma menina que estava a ingerir açúcar porque estava a sentir-se com hipoglicemia a disseram-lhe que não podia comer na aula”.
A estes casos somam-se as vezes em que a escola sugere aos pais que mudem a criança de escola ou de turma. Emiliana Querido questionou como é que se pode pedir a uma criança que “mude toda a sua vida”, deixe os amigos para trás e a relação com professores e educadores.
A presidente admitiu, no entanto, que às vezes estas sugestões surtem efeito, porque os pais preferem mudar para uma escola onde se sintam apoiados do que imaginar o seu filho sem ajuda, “mesmo que isso implique uma gestão familiar muito mais difícil”.
Para Emiliana Querido, estas situações têm de ser evitadas, até porque algumas já revelaram ter efeitos psicológicos graves: “Conhecemos casos de adolescentes que ainda frequentam consultas de psicologia por episódios traumatizantes na escola”.
Para Emiliana Querido, este é um problema de fácil resolução, uma vez que a diabetes é uma doença que não exige um acompanhamento permanente e, com o passar do tempo, a criança vai-se tornando cada vez mais autónoma.
Sobre os resultados das denuncias que chegam à Federação, Emiliana explica que muitos pais não querem fazer queixa por medo de represálias, mas para a Direção-Geral da Gestão Escolar, “sem queixa formal, não é possível identificar a situação específica e atuar em conformidade”.
A Lusa contactou o Ministério da Educação para saber quantas queixas foram recebidas nos últimos anos e quais as consequências, assim como quais os procedimentos a que as escolas estão obrigadas, mas não recebeu qualquer resposta até ao momento.
“Sabemos que algumas escolas fazem um bom trabalho. Mas também nos chegam estes pedidos de ajuda”, lamentou a presidente da FPAPD, lembrando que desde 2019 existe uma orientação bastante completa para os cuidadores de crianças e jovens com diabetes tipo 1 na escola, “mas não se veem melhorias no que toca à integração”.
A presidente criticou ainda a falta de uma legislação “que vincule a escola a dar uma resposta adequada”, e a falta de informação e meios para ajudar estas crianças, que a federação estima serem cerca de 4.000.
Para Emiliana Querido, o desconhecimento sobre a doença acaba por assustar e afastar os adultos da responsabilidade. Por isso, a federação quer que “as escolas sejam alvo de um programa de mais informação e formação”: Era muito importante existir uma campanha forte para as escolas.
E concluiu: “Estes meninos podem ter uma vida escolar normal, pode fazer educação física e ir às suas aulas, podem fazer refeições na cantina da escola, mas é preciso o envolvimento de todos”.