“Eu, no lugar do cidadão Frederico Pinheiro, ter-me-ia sentido intimidada”, afirma a constitucionalista Teresa Violante em entrevista ao programa “Justiça Cega” da Rádio Observador para analisar a ação do Serviço de Informações de Segurança (SIS) no caso Galamba.
O centro das críticas da também investigadora da Universidade Friedrich Alexander de Erlangen-Nuremberga é o parecer do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP). “Acho estranho que o parecer do Conselho de Fiscalização do SIRP tenha sido tão lesto a concluir que não se verificou no caso concreto qualquer violação de direitos, liberdades e garantias. Eu não teria tanta facilidade a retirar essa conclusão dos factos que têm vindo a ser reportados” e “não consigo perceber como é que se retira essa conclusão sem ouvir o principal envolvido [Frederico Pinheiro]”, censura.
“O que está em causa não é o facto de não terem pedido uma auditoria externa, é a própria composição do Conselho de Fiscalização do SIRP. Não está em causa o curriculum e os méritos científicos das pessoas que o integram — isso não está em dúvida. Mas são pessoas que têm uma proximidade política e até governamental que os torna inidóneos” para fazerem parte daquele órgão.
Recorde que, dos três membros do Conselho Fiscalização, dois são ex-membros do Governo de António Costa: Constança Urbano de Sousa (ex-ministra da Administração Interna) e Mário Belo Morgado (ex-secretário de Estado da Justiça do segundo Governo de António Costa). O terceiro elemento foi indicado pelo PSD então liderado por Rui Rio e chama-se Joaquim da Ponte, sendo que a sua área é Farmácia.
Teresa Violante faz questão de dizer que “a crítica é dirigida ao PS e ao PSD porque são estes dois partidos que têm votos suficientes para elegerem este órgão, que é eleitor por maioria qualificada de dois terços do Parlamento. Não podemos ter neste órgão, que têm funções importantíssimas para salvaguardar a isenção e a independência dos serviços de informações, pessoas com ligações tão próximas ao Governo. Os serviços de informações têm de ter uma aparência de exercer as suas funções apenas ao serviço do Estado. E isso implica ter no Conselho de Fiscalização pessoas isentas e afastadas do poder político”.
“Não creio que o parecer e as explicações que foram dados pelo Conselho de Fiscalização do SIRP tenham sido, de modo algum, suficientes. A fiscalização em sede parlamentar é essencial para que a paz pública seja reposta”, conclui
“A dúvida está legitimamente instalada [na opinião pública]” sobre se ação do SIS foi no interesse do Estado e “salvaguarda os interesses da República, do regime democrático e também da dignidade dos serviços e dos profissionais que os integram” ou se foi no interesse do Governo do PS. “Toda essa dúvida deve ser dissipada o mais depressa possível”, enfatiza Teresa Violante.
“Qualquer cidadão pode deter alguém que pratique crime em flagrante delito. O SIS não.”
“No modelo português, os serviços apenas se podem dedicar à produção de informações”. E não podem, por exemplo, contactar ou notificar pessoas (as chamadas fontes humanas na linguagem técnica dos espiões) que estejam em território nacional para colaborar ou transmitir informações.
Teresa Violante dá um exemplo concreto que explica bem as limitações legais à ação dos serviços de informações em Portugal. “Qualquer cidadão tem poder para efetuar detenções, caso assista à prática de um crime em flagrante delito. Mas o legislador proíbe a expressamente as detenções por parte de serviços de informações” no mesmo tipo de situação de flagrante delito.
“Isso ilustra bem como o modelo quer uma separação total das funções dos serviços de informações das funções do poder judicial e dos órgãos de polícia criminal. Não é indiferente a isso a nossa memória pesada da Ditadura, do Estado Novo”, conclui a constitucionalista.