“Sem Imran, não sobra mais nada”. O sentimento, expressado por uma protestante nas ruas de Karachi, a maior cidade do Paquistão, teve eco nas milhares de pessoas que tomaram as ruas do país, insurgindo-se contra a detenção do antigo primeiro-ministro, Imran Khan, na terça-feira.
A situação está a ferro e fogo. Dos confrontos entre manifestantes e polícia resultaram já uma morte e mais de mil detenções – tudo nas últimas 24 horas. Os serviços de internet do país foram suspensos para tentar travar a contestação, mas até agora a repressão não parece ter tido grande efeito junto da população, que acusa o exército de ter orquestrado a detenção de Imran Khan.
A popularidade do ex-chefe de governo é inquestionável; o mesmo não se pode dizer das dezenas de acusações que enfrenta, que vão desde corrupção até sedição e terrorismo. Na origem de tudo isto está um braço-de-ferro institucional, entre um líder político carismático e um setor militar altamente influente na jovem democracia paquistanesa.
Muito antes de chegar à política, Imran Khan era um ídolo noutra arena: o críquete. Uma verdadeira estrela internacional, e um dos mais celebrados jogadores da sua geração, representou durante décadas a seleção nacional, e foi um dos principais responsáveis pela conquista do único título mundial do Paquistão na modalidade, em 1992.
Já retirado dos relvados, o estatuto de celebridade levou-o a aventurar-se pela política. Em 1996, fundou o Movimento para a Justiça do Paquistão (PTI), um partido populista e de centro; nas décadas seguintes, foi conquistando um espaço de protagonismo na política paquistanesa até que, em 2018, liderou uma coligação que lhe permitiu chegar a primeiro-ministro.
Para o fazer, contou com o apoio fundamental do exército, uma fação com um peso significativo na democracia do país. Khan nunca escondeu a proximidade com as forças armadas, de quem precisou para garantir estabilidade governativa ao herdar um país em plena crise económica.
No entanto, o “casamento” começou a azedar em 2019, aquando de uma disputa entre Khan e o comando militar em torno da escolha do líder dos serviços de informação. Pelo meio, o primeiro-ministro demitiu um influente oficial de espionagem que o investigava por corrupção. As tensões culminaram em 2022, com os militares a orquestraram uma moção de censura que ditou a queda do governo.
O primeiro-ministro deposto tornou-se então um crítico acérrimo do governo e do establishment militar paquistanês, que apelidou de “animais”, e pôs em prática uma campanha de massas a apelar à realização de eleições antecipadas.
Na justiça, os processos foram-se acumulando. As principais acusações, de corrupção e crimes financeiros, dizem respeito à alegada atribuição indevida de terrenos do fundo educativo Al-Qadir, propriedade de Khan e da mulher, bem como à não declaração de lucros da venda de presentes de representantes estrangeiros. Mas os crimes de que está indiciado chegam mesmo à prática de terrorismo e sedição – tudo acusações que Imran Khan nega, descrevendo os processos como uma conspiração do exército, apoiada pelo Ocidente, para o impedir de voltar ao poder.
Pelo meio, foi resistindo a várias tentativas de detenção, com milhares de apoiantes a cercarem a sua casa para impedir a ação das forças policiais, e até a uma tentativa de assassinato durante um comício, em novembro passado – tendo responsabilizado de imediato um general do exército no ativo.
Tal é o fervor do apoio a Khan nas ruas que a sua ruidosa detenção na terça-feira só foi possível porque as forças de segurança cortaram os principais acessos ao tribunal, limitando o número de pessoas no local. Mas as barreiras não foram capazes de impedir a explosão de contestação nas ruas, concentrada sobretudo em frente a postos do exército. A campanha contra o poder militar tem feito o seu apoio crescer exponencialmente no último ano, ao mesmo tempo que o atual governo enfrenta críticas por ser incapaz de responder aos desafios da crise e da inflação. No The Guardian, a autora Farzana Shaikh não tem dúvidas: “Poucos duvidam que ele regressaria ao poder quando – e se – houvesse eleições”.