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“Gris, Vide, Cris”: um encontro entre Rui Chafes e Alberto Giacometti

Este artigo tem mais de 1 ano

"Gris, Vide, Cris" é uma exposição, mas também é um encontro entre obras separados pelo tempo e pela forma. Abre portas esta quarta-feira, dia 17 de maio, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa.

Entre duas tonalidades, o negro e o branco, entramos num território cinza, de hibridez e de aglutinação entre dois corpos de trabalho
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Entre duas tonalidades, o negro e o branco, entramos num território cinza, de hibridez e de aglutinação entre dois corpos de trabalho

Entre duas tonalidades, o negro e o branco, entramos num território cinza, de hibridez e de aglutinação entre dois corpos de trabalho

Ressonância é a palavra que melhor acolhe aquilo que é o encontro entre as esculturas de Rui Chafes e de Alberto Giacometti, patentes na exposição “Gris, Vide, Cris”, que abre portas ao público esta quarta-feira, dia 17 de maio, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. A mostra vive sob uma lógica inicial de dialética: entre o branco e o negro, o rugoso e o liso, o material e o imaterial. A viagem que propõe, diz Rui Chafes, é de solidão e de dar a ver as peças de Giacometti de forma isolada do seu contexto de época. “Estão no vazio e é assim que encontramos uma outra forma de olharmos para as mesmas”, sugere.

Entre duas tonalidades, o negro e o branco, entramos depois num território cinza, de hibridez e de aglutinação entre os dois corpos de trabalho. É uma experiência repetida, uma vez que o encontro entre Chafes e Giacometti já tinha sido feito em Paris, em 2018, na delegação em França da Fundação Calouste Gulbenkian (2018), mas desta vez a exposição ganha uma outra dimensão arquitetural, que convida a uma nova e singular experiência de fruição. Além das dez obras que foram acrescentadas a esta mostra, “Gris, Vide, Cris” propõe um encontro mais aprofundado, mapeado pelo silêncio, que não deixa de ser uma homenagem de Chafes ao artista plástico suíço, que o português considera ser “o mais importante escultor da modernidade”. As esculturas de Chafes, que de outra forma viveriam por si, surgem aqui como uma plataforma a partir da qual podemos ver algo mais.

“Gris, Vide, Cris” tem a capacidade de evidenciar uma ambivalência entre forças opostas, sentimentos contraditórios, mas também formas de olhar para a escultura ao longo da história da arte

Antes ainda de entramos na exposição propriamente dita, voltemos primeiro à ligação inusitada. Rui Chafes nasceu, precisamente, no ano em que Giacometti morreu, em 1966. O estabelecimento de um verdadeiro diálogo entre obras é por isso imponderável. Mas existem formas de conjugação, seja de elementos plásticos, mas sobretudo de aspetos poéticos, que transbordam nas fronteiras da possibilidade de comunicaram entre si. No entender da curadora de “Gris, Vide, Cris”, Helena de Freitas, consolida-se um léxico que lançam as obras num exercício de estilo que se completam entre si: “Em Chafes temos o negro, o ferro e o liso; em Giacometti temos o cinzento, o bronze o rugoso”. Em ambos existe uma pergunta que não deixa de pairar: como representar o invisível? Em caminhos autónomos, Giacometti enveredou por um percurso através do qual buscava uma exasperada desmaterialização; ao passo que Chafes, ao longo da sua carreira, tem procurado desafiar os limites do ferro até à sua imponderabilidade. O encontro faz-se pela tensão criada e na criação de um caminho que vai da escuridão para a luz.

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Um caminho em suspensão

A entrada para este universo que agora se funde começa num longo corredor. A meio deste, uma estrutura em ferro da autoria de Rui Chafes antevê uma caixa aberta, mas escura, onde se vão encontrar obras de Giacometti, como se estivessem escondidas e devidamente guardadas, que se revelam entre focos de luz e brechas que despertam um renovado campo de visão. As esculturas de Giacometti são minimalistas, mas ganham naquela forma de escopofilia uma outra dimensão, quase sobrenatural. “Em Giacometti existia uma tentativa desesperada de mostrar a verdade, que tenta traduzir nos corpos das suas esculturas, mas que está para lá daquilo que os olhos conseguem ver”, diz Rui Chafes.

A premissa de aproximação de Chafes à obra de Giacometti é de um profundo respeito e de tributo perante uma obra que se tornou fundamental no panorama artístico

Avançamos, partindo desse primeiro acolher de Chafes às obras de Giacometti para uma outra sala, que apresenta uma aproximação mais significativa. Numa única obra, de grande porte, estão duas peças em ligação. “La Nuit” de Chafes sustenta agora “Le Nez” do artista suíço. A obra do português surge como extensão da escultura inacabada, que espelha a morte de um amigo de Giacometti.  “Nesta escultura em gesso está um semblante que grita, a minha peça acaba por ser uma forma de continuação desse estado e de criar uma amplitude desse mesmo grito”, diz Chafes. A peça, que une duas, foi feita pelo artista português a convite da Fondation Giacometti em Paris, em 2017, como forma de conceber uma estrutura de suspensão, mas funciona como verdadeiro jogo de equilíbrio e contrapeso entre as esculturas. “Um sopro de morte que é continuado de alguma forma”, destaca a curadora, por seu lado.

Destes dois primeiros momentos de perfeita sintonia, surge depois um conjunto de salas onde se exploram as mais variadas nuances entre as abordagens escultóricas. “Temos a questão da suspensão das obras de Chafes, por oposição às esculturas de Giacometti, que estão sempre colocados em plintos [bases que servem de pedestal], e mantêm uma ligação à terra, numa ideia de escavação que é contínua”, realça Helena de Freitas. Mas há outras: o contraste entre o liso e o rugoso, entre o moldável e o que parece esburacado. Existem os corpos e rostos nas esculturas de Alberto Giacometti e a substância etéreo e do sonho nas peças de Chafes. Tal como átomos que se ligam ou chocam entre si, “Gris, Vide, Cris” tem a capacidade de evidenciar uma ambivalência entre forças opostas, sentimentos contraditórios, mas também formas de olhar para a escultura ao longo da história da arte.

Ainda que parta de uma conceção clássica, a escultura de Giacometti tornou-se rapidamente um foco de atenção pelo seu lado transfigurativo. Aí se recorda, por exemplo, o texto de Jean Genet a propósito do trabalho do suíço e pela sua capacidade de evidenciar no que é rígido uma ideia de fenda e as feridas que surgem ao longo do tempo. “A arte de Giacometti parece querer descobrir essa ferida secreta de todo ser e mesmo de todas as coisas, para que ela os ilumine”, lê-se no texto “O Estúdio de Alberto Giacometti” da autoria do escritor e dramaturgo francês. Por seu lado, nas esculturas do artista português está quase sempre presente um lado ambíguo e físico, ao escolher o ferro como material em que é possível conjugar formas aparentemente leves e orgânicas.

“Este encontro traduz uma paixão que tenho pelo trabalho do Giacometti há já muitos anos. Esta exposição materializou esse olhar e abriu novas portas para o meu trabalho”, diz Rui Chafes

De regresso a “Gris, Vide, Cris”, a exposição termina com um diaporama de fotos de uma outra escultura que Chafes foi convidado a fazer para se colocar em Stampa, na Suíça, localidade onde nasceu Alberto Giacometti. Antes disso, numa outra estrutura em ferro, o português leva-nos por um corredor em desequilíbrio até uma pequena vitrine, onde se vê uma das mais pequenas esculturas de Giacometti. A todo o momento, a premissa de aproximação de Chafes à obra de Giacometti é de um profundo respeito e de tributo perante uma obra que se tornou fundamental no panorama artístico, mapeado pelas vanguardas artísticas que despontaram nas primeiras décadas do século XX.

“Este encontro traduz uma paixão que tenho pelo trabalho do Giacometti há já muitos anos. Esta exposição materializou esse olhar e abriu novas portas para o meu trabalho”, salienta o artista ao Observador. “Estou convicto que foi neste processo que comecei coisas que ainda estou a trabalhar e que vou continuar no futuro”. Mas não há coincidências: no conjugar destes dois universos há um caminho comum, no qual as esculturas deixam de se suster apenas pela sua componente plástica e material para adquirir, aí sim, uma outra forma de diálogo com quem as vê.

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