Meio milhão de portugueses tem perturbações do uso do álcool, mas menos de 10% estão em tratamento, alertou a presidente da Sociedade Portuguesa de Alcoologia, defendendo a realização de rastreios e medidas para reduzir o consumo de bebidas alcoólicas.

Em entrevista à agência Lusa, a nova presidente da Sociedade Portuguesa de Alcoologia, Joana Teixeira, falou do impacto do excesso de consumo de álcool na saúde e na mortalidade e defendeu várias medidas preconizadas pela Organização Mundial da Saúde para combater este flagelo no país, onde há um consumo de 12 litros de álcool puro ‘per capita’, o que coloca Portugal entre os países com os consumos mais elevados a nível mundial.

“Cinco por cento da população tem perturbações de uso do álcool, são meio milhão de indivíduos, é um valor muito significativo. Acresce a isto que menos de 10% dos doentes estão em tratamento”, sublinhou a também coordenadora da Unidade de Alcoologia e Novas Dependências do Centro Hospital Psiquiátrico de Lisboa. A psiquiatra explicou que nem sempre é fácil fazer a identificação dos casos, defendendo por isso que “deveria haver um aumento do rastreio precoce das perturbações relacionadas com o uso do álcool” e os casos identificados serem devidamente encaminhados para as intervenções terapêuticas necessárias.

No seu entender, fazer rastreios nos cuidados de saúde primários “seria o ideal” porque são os médicos que têm maior contacto com o doente, com a família e conseguem perceber “o histórico do próprio indivíduo e da sua saúde”. Mas os casos também podem ser sinalizados para unidades de tratamento num serviço de urgência hospitalar, o que, segundo Joana Teixeira, acontece muitas vezes quando são situações de dependência.

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No entanto, explicou, quando se trata de situações de “intoxicação aguda” que resultam de uma festa ou ocasião onde se bebeu mais e aconteceu um acidente que provocou um trauma, normalmente, não há o encaminhamento, “porque é uma situação aguda, mas também provoca danos para a saúde”.

Citando dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), Joana Teixeira salientou que “há pelo menos 200 doenças que são atribuíveis ao consumo de álcool”, que é um grande fator de risco” para os cancros colorretal, do esófago e hepático, mas também para o cancro da mama, que não é tão habitualmente associado a este tipo de consumo.

“São doenças muito frequentes na nossa sociedade e que vão desde as doenças hepáticas e do aparelho digestivo até outro tipo de patologias, como as doenças cardiovasculares, as neoplasias, a epilepsia”, elucidou. Segundo a OMS, o efeito do álcool para a mortalidade “é muito superior” ao efeito de outras doenças para a mortalidade, nomeadamente a doença cardiovascular, o VIH/sida, a tuberculose, hipertensão arterial ou a diabetes.

Em Portugal, o número de mortes por doenças associadas ao álcool tem vindo a aumentar e é atualmente de cerca de 2.700 por ano, metade por doenças neoplásicas e a outra metade por doenças hepáticas. Por outro lado, cerca de 50% dos doentes apresentam uma patologia psiquiátrica associada, sendo as mais frequentes a depressão e a ansiedade.

Segundo Joana Teixeira, cerca de 300 mortes são causadas por acidentes rodoviários, registando-se ainda cerca de 120 suicídios, em média, por ano devido ao consumo de álcool. Realçou também o aumento para os 40.000 internamentos em 2021 por doenças atribuíveis ao consumo de “uma substância que pode ser prevenida”, que representam quase 5% do total dos internamentos hospitalares anuais (cerca de um milhão).

“Portanto, devemos tentar reduzir o consumo desta substância, com grandes benefícios para a saúde, não só dos próprios, reduzindo o seu sofrimento, mas também a nível do próprio sistema de saúde e dos custos que estão associados aos internamentos hospitalares e ao tratamento de patologias atribuídas ao consumo de álcool”, vincou.

Nesse sentido, Joana Teixeira defendeu a aplicação de medidas preventivas consideradas eficazes pela OMS e que os países devem implementar até 2030, entre as quais evitar promoções de bebidas alcoólicas, aumentar os impostos e definir um preço mínimo para as unidades de álcool que são vendidas. Defendeu igualmente medidas restritivas de ‘marketing’, proibindo-o nalgumas circunstâncias, retirando cenas de consumo de álcool nas séries e nos filmes, como se fez para o tabaco, e fazendo advertências na rotulagem das bebidas alcoólicas.

Por outro lado, apontou, as políticas de saúde governamentais devem ter programas para reduzir os consumos de bebidas alcoólicas e contemplar campanhas a nível da segurança rodoviária.