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O final de “Succession”, episódio 9: a ganância é um tango

Este artigo tem mais de 1 ano

Ao penúltimo dia, o passado foi a enterrar. E o futuro está num mundo sem coração, sem convicções e sem princípios. Cada vez mais, a sequela de “Wall Street” e a prequela de "Planeta dos Macacos".

Kendall e Siobhan Roy, numa dança de 70 minutos antes do ato final
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Kendall e Siobhan Roy, numa dança de 70 minutos antes do ato final

Kendall e Siobhan Roy, numa dança de 70 minutos antes do ato final

[ALERTA SPOILER: este artigo contém detalhes sobre o nono episódio da quarta temporada de “Succession”. Se não os quer conhecer, não leia]

Nem o pai morre nem a gente almoça. De todos os ditos populares já inventados de Elvas para cá, este está, certamente, entre os mais bizarros. De onde veio isto? Quem inventou e em que circunstância aparentemente tão específica? E como – Jesus Cristo, como? – é que isto pegou e se implantou na cultura popular como situação em que o vulgo se revê?

Não parece que tenha paralelo na língua inglesa – nor does the father die nor do we have lunch? – mas anda ali sempre debaixo da língua da temporada final de “Succession”, anda, anda.

O pai, na verdade, morreu ao episódio 3, mas depois anda mais de meia temporada até enterrar. Já cheira mal, presume-se. Fica ali num limbo do que já cá não está, mas também ainda não é totalmente o caso de que já não exista. É uma alma penada, uma assombração, o totem a fingir de pai que continua a ocupar o espaço vazio, enquanto os filhos o não conseguem enterrar. E, enquanto não o fizerem, também não almoçam, que é como quem diz, não dividem a herança, não escolhem quem se senta à mesa dos crescidos na Waystar Royco e quem fica com as migalhas.

Finalmente, e como anunciado, Logan “Rupert Murdoch” Roy vai a enterrar um dia depois das eleições. De maneira que o “day after” de uma vitória de um candidato que a série anuncia como “nazi” e que foi pretensamente fraudulenta é, na realidade, um funeral (aceitando, com muito boa vontade, que o candidato e vencedor e putativo novo Presidente dos EUA passaria, de facto, o dia seguinte à vitória nas cerimónias fúnebres de alguém, por mais importante que fosse). E assim, “Church and State”, o penúltimo dia de “Succession”, divide os seus 70 minutos entre essa tentativa de enterrar, de facto, o passado, e perceber afinal o que lhe sobrevive; entre as cerimónias na igreja e as razões de Estado – que, na verdade, se confundem apenas e uma vez mais com o negócio. E, no fim, a conclusão é essa: a de que nada resta senão o relativismo total.

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No fim, os miúdos estão quase bem. Agora, com a corrida reduzida a dois, depois de Roman ter começado o episódio nas alturas do seu inacreditável apartamento sobre a cidade e acabado de gatas na rua

No funeral, não há coração; no negócio, não há princípios; na política, não há convicções. Foi a enterrar a coisa mais parecida com uma referência que aquela gente teve. O que sobra? Nem o alegado nazi que a ATN quer pôr na Casa Branca a troco de impedir que sejam engolidos por um gigante sueco da tecnologia já honra os seus princípios (que mundo é este em já nem na consistência dum nazi se pode confiar?) e aparece disponível para um acordo. “Olhem para nós…”, diz o eventual novo Presidente a Shiv e a Matsson, o mogul da tecnologia. “Um louro, um moreno e uma ruiva entram num bar… Um conservador, um liberal e um… qual é mesmo a sua ideologia?”, pergunta ao príncipe do admirável mundo novo. “Privacy, pussy and pasta”, responde Matsson, numa passagem que nos abstemos de traduzir. “É um parmigiano anarcocapitalista”, sintetiza Shiv.

Já antes, no altar, quando Roman rebentou como uma criança pequena e não conseguiu fazer um segundo do número de homem crescido e frio que tão confiantemente preparara, Kendall tomara o seu lugar e dissera, como um Gordon Gekko dos anos 20/20: “O dinheiro. O sangue, o oxigénio desta civilização maravilhosa que construímos a partir da lama. Que corre pelo corpo desta nação, pelo mundo, e enche todos os homens e todas as mulheres de desejo. Acende a ambição de possuir, erguer, fazer melhor.”

E ainda assim, para este episódio em que os lambe-botas se digladiam por um lugar a carregar o caixão e as viúvas oficiais e oficiosas do mesmo morto dividem irmãmente o banco da frente, guardou Jesse Armstrong alguns dos momentos mais humanos das suas criaturas, pondo por ordem, enfim, a história de Logan Roy e dos descendentes. Fazendo-nos perceber a origem da dor e da frieza, deixando coexistir crueldade e paternidade, como tantas vezes sucede, afinal, na mesma pessoa. Deixando-nos ver as suas personagens procurarem verdadeiramente paz de espírito, mesmo que os secundários em volta não lhes continuem a devolver mais do que palavras cuidadosamente medidas.

No fim, os miúdos estão quase bem. Agora, com a corrida reduzida a dois, depois de Roman ter começado o episódio nas alturas do seu inacreditável apartamento sobre a cidade e acabado de gatas na rua, espezinhado pelos manifestantes a quem se ofereceu, masoquistamente, em sacrifício.

Vemo-nos para a semana, no recontro final. Até lá, muita pasta.

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