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O final de “Succession”, episódio 8: "Make America Good Again"

Este artigo tem mais de 6 meses

A história recente da América colocou um problema aos ficcionistas: é demasiado fantasiosa para que as histórias a possam acompanhar. “Succession”, ainda assim, faz-nos sentir tragicamente ao espelho.

Kendall (Jeremy Strong) não é bom nem mau e luta tanto pelos seus interesses como qualquer dos irmãos, mas, ao contrário deles, ele não quer apenas ser o melhor, ele quer ser bom, que é muito mais difícil.
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Kendall (Jeremy Strong) não é bom nem mau e luta tanto pelos seus interesses como qualquer dos irmãos, mas, ao contrário deles, ele não quer apenas ser o melhor, ele quer ser bom, que é muito mais difícil.

Kendall (Jeremy Strong) não é bom nem mau e luta tanto pelos seus interesses como qualquer dos irmãos, mas, ao contrário deles, ele não quer apenas ser o melhor, ele quer ser bom, que é muito mais difícil.

[ALERTA SPOILER: este artigo contém detalhes sobre o oitavo episódio da quarta temporada de “Succession”. Se não os quer conhecer, não leia]

É curioso ver como “Succession” consegue, às vezes, manter as coisas extraordinariamente simples. Sobretudo por cá, que tanto nos queixamos, espectadores e profissionais, da falta de meios do audiovisual doméstico. Eis uma das mais premiadas séries norte-americanas dos últimos anos a chegar ao clímax e a resolvê-lo no interior de pequenos gabinetes, em conversas a dois.

É o antepenúltimo episódio, o tão anunciado dia das eleições para o lugar de homem mais poderoso do mundo, e não há nem um exterior, nem uns figurantes a mais; quanto muito, um ou outro ator convidado a fazer uma perninha como pivô de notícias, num ecrã, ao longe. É o apocalipse a acontecer dentro dos carris, rumo ao discreto desabafo final de Kendall para, presumivelmente, o motorista: “Some people just can’t cut a deal, Fikret”. “Certas pessoas simplesmente não conseguem fazer um acordo…”, ficando deliberadamente a dúvida sobre se se refere à ex-mulher, que acaba de lhe recusar um pedido para ir ver os filhos, por já estarem a dormir, se ao potencial novo Presidente dos Estados Unidos da América, que resiste a fazer-lhe a vontade.

“A América Decide” é um título grande para um episódio pequeno, que fala de pequenez. O país vai a votos naquelas que podem ser “as eleições mais importantes da nossa vida”, mas mantemo-nos toda a noite dentro da redação da ATN. Um incêndio num centro de contagem de votos, provocado, em princípio, por apoiantes do candidato republicano, pode ter colocado em causa toda a legitimidade do ato eleitoral, mas Tom Wambsgans nem percebe o interesse noticioso; para ele, o pânico só se instala quando o ecrã táctil em que os pivôs vão mostrando o evoluir das contagens no mapa bloqueia (ai, o grande pavor da criatura humana contemporânea: tornar-se uma piada nas redes sociais) ou quando o editor sofre um ataque de wasabi acidentalmente autoinfligido num olho. Cheias da importância que julgam ter, escapa àquelas personagens a verdadeira tragédia em curso: estarem a ser usadas, com o seu consentimento, para ajudar a maior democracia do mundo a cometer suicídio.

Houve sempre duas competições paralelas nesta história: uma pelo trono da Waystar, outra pela preferência dos espectadores. Como é óbvio, nunca nada garantiu que a vitória numa desse a outra

A ATN está cada vez mais parecida com a Fox e o xadrez político da ficção com o da realidade atual. Mas “Succession” vai ainda um pouco mais longe na esperada analogia entre o destino da família Roy e o da América, entre a eleição e o negócio: a eleição é o negócio. Faz depender diretamente o resultado das eleições do da venda da empresa de família. Tão simples como isso. Se um candidato lhes garantir que trava a venda ao gigante tecnológico estrangeiro, eles usam o seu conglomerado de media para o fazer eleger, nem que seja à força – porque, afinal, hoje, um rodapé televisivo a dizer “Fulano venceu” pode valer mais do que “o que vai no coraçãozinho dos camponeses” do Milwaukee, onde arderam os 100 mil boletins de voto.

Mas houve sempre duas competições paralelas nesta história: uma pelo trono da Waystar, outra pela preferência dos espectadores. Como é óbvio, nunca nada garantiu que a vitória numa desse a outra – e é até bastante provável que suceda precisamente o contrário. Mas é interessante observar como só agora, tão perto do fim, se destilam verdadeiramente as diferenças entre os herdeiros de Logan: Roman está com o candidato republicano, Shiv com o democrata, Connor é ele próprio candidato (independente e inútil) e Kendall não sabe o que fazer.

E à medida que a personagem de Kieran Culkin revela cada vez mais ter vendido a alma ao diabo, que o aparente bom-senso da de Sarah Snook redunda apenas em calculismo, é a personagem de Jeremy Strong que se confirma como a mais interessante de toda a série. Porque as personagens divididas são sempre as melhores. As dilaceradas. Kendall não é bom nem mau e luta tanto pelos seus interesses como qualquer dos irmãos, mas, ao contrário deles, ele não quer apenas ser o melhor, ele quer ser bom, que é muito mais difícil. Na sua visão destorcida de como funcione a vida real entre adultos, quer que o bem coincida com os seus interesses. Na evolução genética da família, ele é o que herdou ainda o defeito primata da consciência – e precisa de se sentir bem com ela. “You’re a good guy”, diz-lhe a irmã, no melhor diálogo do episódio. “Well… I don’t know… Thank you”, e vemo-lo nas pausas a ser revisitado por todos os erros do passado. “Essentially, you’re a good guy”, insiste ela, circunscrevendo um pouco mais a questão. “I don’t think I’m a very good father”, volta ele, de repente, olhos a querer chorar, depois de trocas de argumentos sobre o que é melhor para a empresa e para o país. “You are…”, Shiv não completa. “You’re OK”, reformula. “You tried”.

Muita gente não percebe porque gosta tanto de “Succession” quem gosta de “Succession”, mas é por isto: Aaron Sorkin escreve guiões extraordinários com frases incríveis; Jesse Armstrong escreve guiões extraordinários com frases banais. Sem personagens inteligentes, eruditas ou sequer bem-intencionadas. Como quem escolhe ir a jogo só com cartas baixas.

Faltam duas rondas. “Ganhar é fácil”, diz Mencken, o candidato republicano. “Se perder, é que preciso de preparar aquilo a que os falhados chamam ‘narrativa’.”

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