Os socialistas preparam-se para adiar o congresso para o início do próximo ano, para “uma melhor adequação aos calendários eleitorais do país”, segundo justifica ao Observador o presidente do partido, Carlos César. O congresso estava previsto realizar-se no início de setembro, tendo mesmo chegado a ser apontado o fim de semana de 9 e 10 de setembro como data provável, mas é agora empurrado para 2024. E, com isto, António Costa consegue a disputa pela sua sucessão aconteça apenas no ano em que a atual legislatura chega ao fim, 2026, evitando grandes ruturas internas em plena legislatura.
A ideia tem estado a ser estudada na cúpula do partido há algum tempo e Carlos César confirma agora ao Observador que “o PS considerou como uma boa possibilidade a realização do congresso no primeiro trimestre de 2024“. Isto vai fazer com que este mandato de António Costa como secretário geral seja esticado para lá dos dois anos previstos nos estatutos — que também preveem essa hipótese. “O mandato dos órgãos eletivos tem a duração de 2 anos. O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de ajustamentos do calendário eleitoral interno quando tal for reconhecido pela Comissão Nacional do Partido, tendo sobretudo em atenção os ciclos eleitorais”, consta nas regras internas.
A questão pode até já ser colocada na próxima reunião da Comissão Nacional do partido, que se realiza no início de junho, no Porto, admite o presidente do partido ao Observador. Recorde-se que um dos congressos socialistas saltou um ano por causa da pandemia: o que estava previsto acontecer em maio de 2020 só se realizou em agosto de 2021. Isto por si já desacertava o passo com o calendário eleitoral normal do país, e entretanto as legislativas também foram antecipadas, para o início de 2022.
Os congressos ordinários realizam-se de dois em dois anos, são obrigatoriamente precedidos de eleições diretas e, ao manter esta reunião magna no início de setembro (altura da rentrée política), o PS teria a escolha do secretário-geral no meio de agosto, o que não era desejável pelos constrangimentos que podia trazer à participação nessas eleições internas. Mas a principal questão seria outra e mais além: se o congresso se realizasse agora, o da sucessão de Costa (e a disputa pela liderança) cairia no verão de 2025, com a legislatura ainda com mais de um ano pela frente. Quando a expectativa é que essa disputa interna possa ser intensa, surge esta hipótese de vir a ser empurrada para mais perto do final do mandato de Costa no seu terceiro Governo.
Os timings ficariam até muito semelhantes aos da sucessão da longa era de Aníbal Cavaco Silva no PSD. Fernando Nogueira foi eleito para a liderança em fevereiro de 1995, com as legislativas a realizarem-se em outubro desse mesmo ano. Para a longa era do costismo (que, se tudo correr como o previsto, se estenderá até 2026) o tempo até pode ser o mesmo, só ainda não se sabe se o método também.
Afinal, Cavaco Silva alimentou um tabu sobre a sua recandidatura ao cargo de presidente do PSD até ao limite do tempo: decidiu-se no penúltimo dia do prazo da apresentação de moções de estratégia. Na altura, Cavaco explicou que fez assim para manter “intacta” a sua autoridade até ao fim e “limitar a luta de clãs” no partido. Acabou, sim, por condicionar o aparecimento de candidaturas e não evitou a divisão do partido. E no final, o PSD ficou com um novo líder, pronto para ir às legislativas seguintes, e um primeiro-ministro diferente em funções.
Até aqui, Costa ainda não desfez o seu próprio tabu e, em entrevista ao Expresso em dezembro do ano passado, deixou o assunto assim: “Em outubro de 2026 verei o que vou fazer a seguir. Ou antes disso, antes de 2026 tenho logo de decidir se me mantenho na liderança do PS ou se não me mantenho na liderança do PS.”
De todo o modo, a solução que está agora em cima da mesa para alinhar calendários eleitorais partidários com os nacionais permitiria desfazer um difícil nó sobre esse período: como encerrar o tempo de liderança de um líder que se mantém como primeiro-ministro quando ao mesmo tempo o partido tem de se preparar para as legislativas que se seguem? Os nomes que se têm alinhado para o pós-costismo estão longe de estar definidos, com alguns — como o de Pedro Nuno Santos — a surgirem de forma mais persistente neste cenário, mas fazem antever uma batalha pela sucessão intensa. Quanto a outras soluções aventadas internamente, como esta que o Observador descreveu em dezembro, podem não ter aceitação fácil por parte de interessados nessa corrida, como era então referido.
Já a atual solução de adiar o Congresso para o arranque de 2024 também pode permitir que esse palco sirva para lançar as eleições que se seguem no calendário, as Europeias. Recorde-se que em 2019, foi precisamente em fevereiro que António Costa lançou a lista de candidatos do partido ao Parlamento Europeu. A partir daí — já se sabe — o calendário eleitoral do país acelera, com autárquicas em 2025 e, no início de 2026, Presidenciais. Seria precisamente nesse primeiro trimestre que o PS definiria a era que se segue.