O ex-administrador financeiro da TAP, João Weber Gameiro, justificou a sua renúncia ao cargo na TAP, em setembro de 2021, pela ausência de um contrato de gestão e de um seguro corporativo que desse proteção legal à sua atuação como gestor.

Weber Gameiro, que está a ser ouvido esta quinta-feira na comissão parlamentar de inquérito à gestão pública da TAP, confirmou em resposta ao deputado Hugo Carneiro do PSD que a ausência de um contrato de gestão, celebrado ao abrigo do estatuto do gestor público, foi uma das razões que levou à sua renúncia, apenas três meses depois de ter assumido o cargo (ficou mais um mês até ao final de outubro). A outra razão, complementar, foi a ausência do seguro de directors and officers (seguro corporativo para riscos jurídicos de decisões de gestão), o que Weber Gameiro descreve como uma “lacuna grande” numa empresa com a dimensão e o risco financeiro e operacional da TAP.

“Penso que todas as grandes empresas têm este seguro”, referindo que a TAP faturava mais de 3.000 milhões de euros, tinha 9.000 trabalhadores e operava mais de 100 aviões. Do ponto de vista de gestão, era muito exigente, com a necessidade de aportar fundos ao Brasil — na altura todos os meses a TAP tinha de enviar dinheiro para a VEM (operação de manutenção que foi entretanto encerrada) — um elevado endividamento e o incumprimento técnico dos contratos financeiros. Nesta altura, a TAP ainda não tinha plano de reestruturação aprovado e os custos eram mais elevados do que os recursos obtidos.

“Achei que era fundamental ter um seguro, não porque isso me permitiria ser negligente, mas porque era uma proteção jurídica”.

O gestor assinalou que o valor coberto por este seguro tinha sido fortemente diminuído por causa da pandemia. E não havendo o tal seguro, “era fundamental ter um contrato de gestão para salvaguardar os administradores”. João Gameiro confirma que partilhou esta preocupação com o presidente não executivo — Manuel Beja — que foi sensível ao tema e que estaria a tomar medidas — e manifestou este “desconforto” ao secretário de Estado do Tesouro (Miguel Cruz) e à Parpública. Mas “chegou uma altura em que entendi que não ia acontecer. Não era prática”. E isso representava uma “desconformidade” face à forma como via as suas responsabilidades.

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“Apurei que há uma série de empresas públicas em Portugal que não têm contratos de gestão, não é de agora. Acho que devia ser revisto, sobretudo quando empresas estão em situação financeira difícil”, defendeu.

O ex-administrador financeiro assumiu ainda que a renúncia foi uma decisão pessoal, validando assim o comunicado conjunto feito pelos ministérios das Infraestruturas e Finanças que justifica esta saída com motivos “pessoais e imprevisíveis”. De facto, responde a Hugo Carneiro, “na lógica do Governo foi uma decisão pessoal de saída. Ninguém me pediu para sair”, desvalorizando assim os comentários dos deputados que apontam para um fundamento sem correspondência com a realidade.

As Finanças consideravam que Weber Gameiro “teria condições e deveria ter continuado” e “tudo fizeram para apoiar e estimular nesse caminho”, mas o ex-administrador entendeu que não tinha condições. “Os motivos foram pessoais porque são decisão minha e imprevisíveis para o Governo porque não contavam com isso”, justificou.

João Gameiro assinala ainda que para os outros administradores, as razões que o levaram a sair da TAP, não foram suficientes para os afastar dos cargos. O gestor foi substituído no cargo por Gonçalo Pires, então administrador não executivo e que recentemente foi reconduzido no cargo.

“Não tomei a decisão (saída de Alexandra Reis), nem ajudei a tomar”, repetiu o CFO da TAP que admitiu não ser surpresa

Nas respostas dadas a Fátima Fonseca do PS, o antigo administrador confirma ainda que sabia estar ao abrigo do estatuto do gestor público quando foi eleito para a administração da TAP em 2021, ainda que não recorde esse tema ser discutido na comissão executiva.  Mas quando foi confrontado com a demora em assinar o contrato de gestão colocou perguntas sobre as consequências. Isto porque havia o risco de nulidade das decisões dos administradores no caso de não existir esse contrato. “Fiquei preocupado com a eficácia do que assinava”, mas da consulta que fez constatou que várias empresas públicas portuguesas funcionam sem contrato de gestão.

O antigo gestor testemunhou ainda que nos três meses em que foi administrador financeiro não sentiu dificuldades para contactar o Ministério das Finanças quando era necessário. As pessoas estavam ocupadas e podiam não responder logo, mas não deixavam de o fazer. Referiu ainda que a empresa estava focada em resolver os problemas urgentes e não tinha ainda tempo de olhar para questões mais estruturais como os encargos com a frota que vieram a ser auditados mais tarde. E estava muita gente a sair, faltavam pessoas nas equipas.

“Decisão de fechar o Brasil foi correta”

O ex-administrador foi ainda confrontado com a operação de manutenção no Brasil, considerada ruinosa por quase todos os intervenientes questionados sobre ela na comissão de inquérito, à exceção de Diogo Lacerda Machado, que a defende como o melhor negócio da TAP. Weber Gameiro sublinhou que a sua análise é “circunscrita a um determinado período e situação”.

A manutenção no Brasil era uma empresa com “um conjunto de contingências elevado, com trabalhadores e impostos, dificuldade em assegurar receitas, porque havia uma quebra do negócio da aviação comercial”, além de que grande parte da manutenção passou a ser feita em Lisboa, o que impactou as receitas. O contingente de trabalhadores era “significativo” e a empresa tinha uma “grande responsabilidade na manutenção de aeronaves”. Todos os meses, a ME Brasil “precisava de apoios de tesouraria”. No âmbito do plano de reestruturação, “era para liquidar”

Mas a gestão do dossier era complexa e havia vários cenários em cima da mesa, adiantou Weber Gameiro: a venda, a venda de ativos, uma reorganização judicial e o fecho, que a administração acabou por assumir. “Nenhuma abordagem era isenta de problemas nem suscetível de não impactar a TAP SGPS nem a TAP SA.

Por um lado, a procura por parte de investidores era inexistente, a venda de ativos não afastava os riscos e a reorganização judicial podia demorar muitos meses, explicou. “Nesse período, a TAP ia ter de continuar a injetar dinheiro no Brasil”. Nessa altura, a SGPS só tinha 8% da SA, pelo que a  TAP SA financiava a SGPS e a SGPS financiava a operação no Brasil, concluiu Hugo Carneiro. “E era necessário continuar a aportar fundos até se resolver o problema”, concluiu o ex-administrador, para quem “a decisão de fechar o Brasil foi correta”. A situação da manutenção no Brasil “preocupava muito o Governo”, garante. Considera que “nenhuma solução era perfeita,  mas a melhor era liquidar”. Foi o que entendeu a comissão executiva da TAP, “imagino que em concordância com o Governo”.

João Weber Gameiro foi convidado para integrar a administração da TAP em junho de 2021 (para integrar a equipa liderada por Christine Ourmières-Widener) por Miguel Cruz, então secretário de Estado do Tesouro, tendo tido uma carreira internacional na banca. Enquanto esteve em funções nunca assistiu a conflitos dentro da comissão executiva onde estavam Alexandra Reis e Christine Ourmières-Widener.

Despedimentos em excesso? Decisão baseou-se na informação disponível e não se espera recuperação instantânea

O ex-gestor foi igualmente confrontado com o número de trabalhadores que saiu da TAP, cerca de 2.000, em 2020 e 2021 e se tal não foi excessivo. João Weber Gameiro defende a decisão (já tomada) de reduzir os custos e a dimensão do número de trabalhadores que “não era aceitável quando a TAP passou a faturar um terço”. Foi necessário reduzir a sua estrutura de custos para salvaguardar a sua sustentabilidade, respondeu ao deputado do PCP, Bruno Dias. Reconhece que a recuperação de transporte aéreo em 2022 foi praticamente instantânea, daí a ruptura que se observa nas companhias e aeroportos na Europa. “O que foi feito na altura, face à informação disponível, teve como base a análise de quem tomou a decisão. A alternativa era fechar a empresa ou que as ajudas publicas fossem maiores”.

Questionado sobre os resultados de 2022, Gameiro defendeu que a TAP beneficiou bastante do trabalho feito, mas também da retoma no setor. “A recuperação do setor da aviação foi muito mais rápida do que estava previsto no plano e isso beneficiou os resultados da TAP”, mas também houve um contributo da redução de custos e dos trabalhos que estavam em curso para estabilizar a empresa e a sua sustentabilidade.

O gestor desvalorizou ainda o interesse de privados que terá sido manifestado ao Governo pela TAP em novembro de 2021. Segundo o deputado da Iniciativa Liberal, Bernardo Blanco, as autoridades portuguesas foram abordadas por novos investidores para que mostravam interesse em adquirir uma parte da empresa. Mas o Governo não quis aprovar antes do plano de reestruturação ter sido aprovado. Weber Gameiro considera que uma coisa é uma manifestação de interesse, outra coisa seria uma proposta concreta e revelou que a TAP tinha em 2021 mais dificuldades em obter financiamento junto do setor privado que outras empresas concorrentes que também receberam ajuda pública.

Ex-CFO admitiu vender a sede, Alexandra Reis achava que ninguém compraria

Na terceira ronda de questões, os deputados questionaram Weber Gameiro sobre a troca de frota da TAP. Foi decidido estender os contratos de leasing por mais um ano, num processo liderado por Alexandra Reis, e não chegou a haver discussão sobre se os custos de manutenção não seriam agravados com o tempo “e se não era melhor substituir”. Sobre o uso dado ao carro, o ex-CFO garante que “nunca usou para mais nada” além de ir de casa para a TAP, e o inverso.

Weber Gameiro também recorda a discussão sobre a eventual mudança de sede da TAP. “Tivemos essa discussão de forma preliminar”. A atual sede “está numa situação debilitada, vê-se o betão”. Os edifícios estão dados como colateral, acrescentou.

Alexandra Reis chegou a fazer apresentações de estudos que tinham sido feitos, “até para valorizar” a sede, porque havia edifícios não ocupados. “Questionei porque é que não vendemos isto tudo. Ela achava que não havia comprador para aquilo”.

Weber Gameiro recordou ainda a relação próxima que tinha com Alexandra Reis, “tal como tinha com os outros elementos da comissão executiva”. E também com a ex-CEO, Christine Oumières-Widener. Com Alexandra Reis, manteve o contacto após saírem ambos da TAP. “Estive com ela poucos dias depois de ter saído, voltei a estar mais tarde, depois de ela ter assumido a NAV, e depois, duas vezes, de ter saído da secretaria de Estado do Tesouro”.