O administrador financeiro da TAP afirmou, e repetiu várias vezes, não ter ter tomado, nem ajudado a tomar a decisão que resultou na saída de Alexandra Reis do conselho de administração da transportadora com uma compensação de meio milhão de euros. O CFO, Gonçalo Pires, foi ouvido esta quinta-feira na comissão parlamentar de inquérito à gestão pública da TAP

“Não tive qualquer envolvimento na preparação, elaboração, negociação, decisão ou fecho de qualquer valor”. Esta foi a versão dada logo nos primeiros minutos e que manteve ao longo de cinco horas em que foi ouvido. Mesmo quando foi confrontado com notícia publicada durante a audição (pela CNN Portugal), de que a presidente executiva da empresa, Christine Ourmières-Widener, afirmou, no exercício de contraditório do seu processo de demissão, que o gestor financeiro conhecia a negociação desde o início.

Gonçalo Pires começou por confirmar o que tinha respondido à Inspeção-Geral de Finanças (IGF) na auditoria que o ilibou de responsabilidade na decisão cuja ilegalidade levou ao processo de demissão da presidente executiva e do chairman da TAP. Mas à medida que as perguntas foram surgindo, o gestor admitiu que antes de ter sido informado oficialmente, a existência de acordo para a saída de Alexandra Reis lhe foi comunicado por Christine Ourmières-Widener, uns dias antes e por mensagem, mas sem detalhes. Só conheceu o valor da indemnização quando a TAP teve de responder ao Governo depois de ser noticiado o montante pago a Alexandra Reis.

IGF desconhece se administrador financeiro da TAP (poupado na auditoria) sabia do valor pago a Alexandra Reis

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ou seja, confirmou a Paulo Moniz do PSD que houve um conhecimento informal anterior ao email de 4 de fevereiro identificado na auditoria da IGF no qual lhe é comunicada oficialmente a saída da administradora e os termos do comunicado de saída enviado à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, na qual a mesma é classificada como uma renúncia. Mas Gonçalo Pires não soube precisar quando teve essa indicação de Christine, nem o teor exato da mesma e nunca respondeu à pergunta insistente de Mariana Mortágua sobre quando soube que Alexandra Reis ia ser afastada.

Referiu apenas que a saída não foi uma surpresa porque já havia posições discrepantes expressas pela administradora nas reuniões do conselho de administração. Referiu em concreto uma — o chumbo da nomeação do ROC (revisor oficial de contas) que colocava em risco a execução do plano de reestruturação. Apontou ainda para a alteração da estrutura acionista com a saída da Humberto Pedrosa, o acionista privado, e na sequência da qual saiu um administrador não executivo por ele nomeado, Silva Rodrigues. Alexandra Reis também tinha sido nomeada por este acionista (e chegou a pôr o cargo à disposição poucas dias antes de a presidente executiva ter pedido à tutela o seu afastamento).

Alexandra Reis pôs cargo à disposição de Pedro Nuno dias antes de este dar luz verde à TAP para negociar a sua saída

O CFO reconheceu também ter-lhe sido comunicado que iriam existir alterações na composição na equipa da administração, mas que não foi dito de forma expressa que passariam pelo afastamento de Alexandra Reis, ainda que, repetiu várias vezes, esse resultado não tenha sido surpresa. Quando confrontado com um powerpoint de 18 de janeiro apresentado pela CEO ao ministro (Pedro Nuno Santos) no qual aparecia a substituir Alexandra Reis no pelouro das compras, garantiu que só assumiu esse dossiê depois da saída da administradora.

Insistiu que o facto de ter tido conhecimento informal do resultado da negociação, não elimina o facto de não ter participado e reafirmou: “Não tomei, nem ajudei a tomar a decisão”. E explicou porque, apesar de ter a tutela da tesouraria da empresa, não sabia nem tinha sequer de autorizar o pagamento feito à gestora em fevereiro de 2022 porque havia cabimento orçamental para o realizar.

Compensação a Alexandra Reis não exigiu autorização expressa do CFO porque saiu da provisão feita para reestruturar a TAP

Gonçalo Pires garantiu que não conversou sobre a saída da administradora com Miguel Reis, o então secretário de Estado do Tesouro que tinha a tutela da TAP. E apesar de reconhecer que, enquanto responsável pelas relações de mercado, foi responsável pelo comunicado enviado à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários no qual a saída foi divulgada como uma renúncia (e sem referência à indemnização), remeteu a responsabilidade pelo conteúdo do mesmo para a CEO e para o presidente não executivo, Manuel Beja.

CFO confirma ser amigo de Galamba, a quem pediu instruções para apresentação discreta de resultados de 2022

Gonçalo Pires confirmou ser amigo próximo de João Galamba (ministro das Infraestruturas) com quem andou na Faculdade e de quem recebeu instruções sobre a forma de apresentação dos resultados de 2022, mas  depois de lhe ter sido colocado a pergunta. O administrador financeiro concordou que, no atual contexto sui generis da vida da empresa  a apresentação dos resultados deveria ser o “mais discreta possível”, apesar de reconhecer que as equipas e colaboradores da TAP teriam gostado de fazer uma apresentação mais pública.

Em esclarecimentos prestados ao deputado da Iniciativa Liberal, Bernardo Blanco, indicou que a maioria do conselho de administração esteve de acordo com a abordagem discreta aos resultados, sem no entanto clarificar se a presidente executiva também defendia essa posição.