João Almeida melhorou em muitos aspetos quando recordamos aquele miúdo que apareceu quase do nada na Volta a Itália de 2020 para liderar durante duas semanas antes de acabar na quarta posição da geral. Está mais forte, consegue colocar-se melhor nas subidas, lida melhor com as subidas entre o calculismo que nunca deixa de manter. Aí como agora, continua mestre nas palavras. Nunca abre o jogo, coloca sempre a pressão do outro lado, às vezes parece quase dizer coisas para provocar ação-reação nos concorrentes diretos. Ainda assim, a forma como abordou a 18.ª etapa entre Oderzo e Zoldo Alto depois do show em Monte Bondone não era propriamente aquela que transparecia a maior confiança, assumindo que seria sobretudo um dia onde queria estar mais na expetativa dos ataques do que a vir de novo para a frente. E foi isso que aconteceu.

O bluff de Roglic foi quase destrunfado por outra Almeidada: português resiste ao limite, cai para 3.º mas reforça pódio do Giro

Numa perspetiva negativa, João Almeida foi o principal derrotado do dia a par de Thibaut Pinot (neste caso pela derrota com Filippo Zana na chegada ao sprint) porque perdeu tempo para Geraint Thomas e Primoz Roglic, desceu para a terceira posição da geral e não teve andamento para reagir ao ataque da Jumbo que tinha o incansável Sepp Kuss a puxar. Numa ótica positiva, o português cedeu apenas 21 segundos num dia que poderia ter sido muito pior, não encurtou mais essa distância porque a certa altura da perseguição Jay Vine teve uma saída da estrada que prejudicou a sua trajetória e acabou até o dia a reforçar posição no pódio, passando agora a ter três minutos de vantagem sobre Eddie Dunbar, que passou Damiano Caruso. Ou seja, a “Almeidada” de subir ao seu ritmo não evitou a perda de tempo mas impediu males maiores.

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“Foi um dia muito duro desde o começo. Fiz o meu melhor e estou contente por isto. Não podia ter feito melhor do que isto. Hoje [Quina-feira] foi duro e amanhã será ainda mais. Não será fácil mas aponto a estar lá em cima com os rivais e lutar até ao fim. Hoje foram mais fortes do que eu. Não é o ideal mas no final de contas estou muito contente. Estamos mais perto de Roma, mas ainda há muito pela frente”, comentou João Almeida após a etapa. “Foi um dia duro mas não extremamente duro. Acho que esteve muito bem a limitar as perdas. Só gostava de ter conseguido ajudar mais… Tenho as pernas bem mas acho que naquela última descida exagerei um pouco. Temos de tentar de novo”, lamentou o companheiro Jay Vine.

João Almeida admite que adversários “foram melhores” na 18.ª etapa da Volta a Itália: “Não foi ideal, mas ao fim de contas estou feliz”

“O João disse-me depois da etapa que não se sentiu fantástico desde o começo. Estava bem mas não estava fantástico. Teve alguns problemas. Não teve as melhores sensações mas não perdeu muito tempo para os principais rivais. Teve de recuperar e, depois, ganhar novo fôlego. Mas o objetivo continua a ser o pódio. Ainda não estamos lá. Ainda temos o Thomas e o Roglic para lutar, dois adversários de topo. Amanhã espero muita coisa, o dia promete um espectáculo incrível. O Roglic vai querer fazer alguma coisa, o Thomas quererá acabar na frente antes do contrarrelógio e o João quer recuperar. Será certamente uma boa batalha”, tinha resumido Mauro Gianetti, diretor desportivo da UAE Team Emirates para este Giro, no lançamento do dia D.

Tinha sido o próprio João Almeida a descrever assim a etapa mais dura desta Volta a Itália com chegada a Tre Cime di Lavaredo e três das cinco subidas acima dos 2.000 metros. E podia cair para todos os lados, com esse ponto importante em relação ao contrarrelógio a subir este sábado: com o perfil da penúltima etapa, as características dos principais candidatos e o momento que todos atravessam, as distâncias não poderiam ser muito grandes para haver possibilidades (ou probabilidades) de mexidas antes do desfile final em Roma. E isso era aplicável à geral individual mas também a outras discussões como a camisola da montanha, o que iria aumentar ainda mais a espectacularidade que o próprio traçado desta sexta-feira já prometia.

O dia começou com a notícia do abandono de Hugh Carthy, outro dos principais derrotados da véspera com a descida de 11.º para 14.º da geral já sem grandes hipóteses de poder lutar pelo top 10 que fechava em Laurens de Plus a três minutos do meio havendo ainda Bruno Armirail, Einer Rubio e Ilan van Wilder pelo meio. E os ataques, claro, começaram desde início com Larry Warbasse e Veljko Stojnic a lançarem-se na frente tendo uma vantagem não superior a 30 segundos antes de Laurenz Rex tentar colar e Derek Gee, Alex Baudin e a seguir Magnus Cort conseguirem colar à frente. As equipas mexiam com a tentativa de lançarem unidades na frente, o trio que lidera a geral poupava esforços não saindo do pelotão protegidos pelas equipas. Mas até aqui neste início houve um dado importante que ficou na retina: Jumbo e UAE Team Emirates tentaram colocar homens para a frente, o pelotão partiu e teve de ser a Ineos a trabalhar para fazer então o corte.

Nicolas Prodhomme, Vadim Pronskiy, Patrick Konrad e David Gabburo aumentaram para nove o número de fugitivos sempre numa distância que não passava os 30 segundos mas era nas movimentações mais atrás que estavam todos os focos, tendo em conta a vontade que a Ineos também parecia querer mostrar de colocar um elemento mais à frente em caso de separação. Santiago Buitrago conseguiu também colar ao grupo da fuga que já tinha dez unidades e que teve o incansável Derek Gee (sétimo dia em fuga) a passar de novo em segundo o sprint em Caprile, atrás de Veljko Stojnic. Um pouco mais atrás, e durante alguns quilómetros, a luta esteve ao rubro entre Ben Healy e Thibaut Pinot pela camisola da montanha mas o francês acabou por conseguir controlar o ataque e manter também na sua posse a liderança da azul neste Giro. O pelotão, que em pouco tempo deixou a fuga fugir e muito, rodava a quase seis minutos dos fugitivos.

A vantagem da fuga subia para os sete minutos e meio, com as principais equipas a aproveitarem para irem aos carros abastecer e preparar a primeira subida de primeira categoria em Passo Valparola sempre com a Ineos a comandar o ritmo do pelotão a jeito daquilo que Geraint Thomas mais queria. Lá na frente, Davide Gabburo foi o primeiro na passagem de segunda categoria de Passo Campolongo, à frente de Mattia Bais e, como sempre, Derek Gee. Não era propriamente expectável haver grandes ataques nesta fase da prova mas funcionava como um dos momentos de maior desgaste a meio da tirada, bom para perceber aquilo que os ciclistas descrevem como as “sensações” nas pernas ao fazer uma subida mais puxada. E foi isso que se viu, com a diferença a passar os oito minutos mas com o pelotão a ter outras preocupações nessa fase.

A forma como as equipas da frente se posicionaram logo na descida deixava antever outro tipo de mexidas quando chegasse a subida de Passo Giau, sendo que a passagem dos fugitivos que já estavam só com sete minutos de avanço a 47,5 quilómetros do final mostrava a facilidade com que se podia perder o comboio num curto lapso de tempo. Jack Haig, 18.º da geral e um dos três melhores da Bahrain com Caruso e Buitrago (ia na frente), descaiu muito cedo no grupo. Uma coisa parecia certa: as hipóteses de chuva na parte final da etapa começava a crescer. E na frente havia apenas quatro isolados, com Buitrago, Derek Gee, Carlos Verona, Magnus Cort e Hepburn, elemento da Jayco que podia depois ajudar Eddie Dunbar. A Ineos liderava o pelotão com quatro elementos, seguia-se a UAE Team Emirates com cinco e a Jumbo deixava-se ficar no meio do grupo também com cinco numa subida que travou o ritmo e não fazia grandes cortes no grupo.

A corrida apertava no grupo perseguidor da roda, com a equipa da Jumbo a fazer chegar alguns dos seus elementos para a sombra da Ineos enquanto a UAE Team Emirates se mantinha fixa na mesma posição sem querer assumir mas mais atenta às movimentações no grupo. A ideia que ficava era que existia vontade de ir para a frente, de agarrar na corrida e fazer cortes mas o receio de poder haver depois algum tipo de quebra na última e decisiva subida ia travando os ânimos nesse sentido. Lá na frente, a cerca de 20 quilómetros do final, a diferença seguia acima dos seis minutos, o que dava outra força para o grupo que voltava a ter também Prodhomme, Pronskiy, Warbasse, Oldani e Konrad com essa quase certeza de que em condições normais era ali que estava o potencial vencedor da etapa perante as outras preocupações dos líderes. A AG2R seguia com dois elementos mas menos um carro, expulso pela organização após ter abalroado Verona.

Todos os pormenores contavam e a Jumbo dava mais um exemplo disso com Primoz Roglic a trocar de bicicleta depois de ter estado a testar uma outra roda traseira já a pensar no contrarrelógio deste sábado. O pior estava para vir: a carga de água em cima dos corredores ganhava outras proporções, numa fase em que a Jumbo já tinha assumido diretamente a marcação aos corredores da Ineos na subida ao Passo Tre Croci. E para João Almeida havia uma outra notícia péssima nesta fase, com Jay Vine, principal escudeiro do chefe de fila português, a ficar para trás no esticão que tinha sido dada pela formação britânica. Davide Formolo também não estava no melhor momento, sobrando apenas Brandon McNulty contra três Ineos e quatro Jumbo na frente. Os dez primeiros da geral estavam no grupo que estava a menos de quatro minutos dos fugitivos mas as equipas começavam a ceder aos poucos para deixarem os líderes entregues ao destino.

Roglic começava a falar com Sepp Kuss, o discípulo que tem estado sempre com o esloveno na frente em todas as etapas a subir, e começava a perceber-se movimentações da Jumbo à semelhança do que acontecera na véspera, com Rohan Dennis (que “deu” a vitória a Tao Geoghegan Hart em 2020 no Stelvio) a acelerar e desviar, Laurens de Plus a acelerar mais um pouco antes de cair mas colar de novo, Arensman a agarrar na liderança e o grupo reduzido a 15 elementos com Almeida demasiado cedo sozinho entre todos os tubarões na altura em que se começavam a multiplicar as bandeiras de Portugal na berma da estrada (e pinturas no chão com o nome do caldense) mas a mostrar-se ao lado de Thomas com melhor colocação.

Enquanto na frente Buitrago mantinha Derek Gee à distância, o grupo dos candidatos começava a entrar na subida decisiva do dia que mais parecia uma parede em alguns momentos com a Ineos a recolocar Arensman à frente de Thomas (que estava em comunicações com a equipa depois do encostar definitivo de Lauren de Plus) e João Almeida na roda de Thomas com Roglic mais atrás. A etapa esteve entregue a Buitrago, que esperou pelo momento certo para dar um esticão e ganhar com uma mudança de velocidade que deixou mais uma vez o canadiano em segundo sem capacidade de reação. Os últimos dois quilómetros eram portugueses, com dezenas de apoiantes do corredor nacional a mostrarem bandeiras e a correrem ao lado de Almeida com o líder da UAE Team Emirates a assumir para colocar ritmo antes do ataque fulminante de Roglic.

Thomas conseguiu colar logo em Roglic num momento decisivo em termos de Giro e João Almeida ficou mas sem desistir, colando a cerca de 900 metros a olhar de lado para ambos os adversários para perceber o que poderia passar naquelas cabeças. No entanto, quando Thomas atacou e Roglic agarrou, o português não tinha mais para dar, acabando em sexto a perder 20 segundos para os dois da frente, que voltaram a mostrar que são nesta fase os melhores e mais sérios candidatos a discutir uma vitória nesta Volta a Itália.

Assim, Santiago Buitrago terminou com 5.28.07, tendo Derek Gee em segundo (e a sair do Giro a merecer pelo menos ganhar uma etapa…) e Magnus Cort em terceiro a 1.46, tirando a bonificação a Primoz Roglic que foi quarto e Geraint Thomas que acabou em quinto. João Almeida foi sexto a 2.09, o mesmo tempo feito por Damiano Caruso e Thymen Arensman, seguindo-se Thibaut Pinto (2.16) e Einer Rubio (2.29). Na geral, Thomas mantém a liderança mas tendo agora 26 segundos de avanço sobre Roglic e 59 segundos de João Almeida. Damiano Caruso voltou à quarta posição a 4.11, ultrapassando Eddie Dunbar (4.53). Thibaut Pinot (5.10), Thymen Arensman (5.13), Lennard Kämna (5.54), Andreas Leknessund (6.08) e Laurens de Plus (7.30) fecham o top 10 antes do contrarrelógio a subir entre Tarvisio e Monte Lussari.