O Banco de Portugal voltou esta quinta-feira a rever em alta as projeções de crescimento da economia portuguesa para este ano (e também os próximos). A revisão em alta aponta para uma expansão da atividade económica de 2,7% em 2023, bastante mais do que os 1,8% previstos há apenas três meses. O Banco de Portugal projeta, também, que a inflação será um pouco menor do que temido: 5,2% em 2023 (menos três décimas do que previsto em março) e 3,3% no próximo ano.
A nova projeção para o crescimento da economia portuguesa não está muito distante daquilo que tem sido apontado por outros organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), que em maio surpreendeu com uma previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,6%. Também a Comissão Europeia, em maio, apontou para um crescimento de 2,4%. Mário Centeno e o departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal estão, assim, um pouco mais otimistas, trabalhando com dados mais atualizados.
Um crescimento de 2,7% é “um desempenho robusto, dando continuidade à convergência com a área do euro, com as exportações a crescerem mais do que a procura externa“, salienta o Banco de Portugal num comunicado divulgado ao mesmo tempo que Mário Centeno inicia a habitual conferência de imprensa de apresentação do Boletim Económico de Junho.
“Esta não é uma projeção otimista nem benevolente para com a economia portuguesa – é uma previsão exigente”, disse o governador do Banco de Portugal, lembrando que este crescimento “exige estabilidade financeira e estabilidade das políticas económicas”. “É um cenário que exige responsabilidade de todos em Portugal“, atirou Mário Centeno.
A área do euro está em recessão técnica, podemos usar a palavra estagnação. Mas também é verdade que a convergência económica entre Portugal e a área do euro continua. Temos de ter presente que este não é um cenário externo benigno”, afirma Mário Centeno.
Centeno garante que crescimento está a chegar aos bolsos dos portugueses
O governador do Banco de Portugal diz que o crescimento económico é “obra dos portugueses” e recusa a ideia de que este crescimento não chega às pessoas. “O emprego irá manter-se na ordem dos cinco milhões de postos de trabalho. Há 10 anos trabalhavam em Portugal 4 milhões. [este aumento] não parece pouco”, atirou Mário Centeno, acrescentando que “nunca tantos salários foram pagos em Portugal”, com um aumento dos salários de 73% desde 2016 – um período em que a inflação acumulada foi de 25%.
Mário Centeno salientou, aliás, que no horizonte de projeção (até 2025) o rendimento disponível (real, excluindo inflação) deve crescer 8% até 2025. A confirmar-se, será um aumento de 28% no espaço de uma década (2015-2025). Isto significa, diz Centeno, que quando se pergunta se o crescimento da economia está a ser feito com redistribuição, “a resposta é sim“.
O Banco de Portugal estima que entre 2021 e 2023, as famílias conseguirão pagar o serviço da dívida e manter um consumo de bens alimentares e energéticos idêntico ao de 2021. “O rendimento, após estas despesas, cresce mais de 10%“, calcula o Banco de Portugal.
Verão pode trazer “maior previsibilidade” nas taxas de juro
O governador do Banco de Portugal reiterou, também, que a política monetária na zona euro está “em território restritivo” da atividade económica e vai continuar assim por algum tempo. Ainda assim, “a partir do verão”, poderá haver maior “previsibilidade” na trajetória das taxas de juro. Até lá, os mercados de futuros antecipam uma “descida gradual”, embora lenta, das taxas Euribor face aos níveis atuais.
A confirmar-se, isso serão notícias boas para quem tem crédito à habitação – com Centeno a sublinhar que só 30% dos portugueses têm crédito à habitação para habitação própria e permanente. A larga maioria desses têm créditos indexados a taxas variáveis (Euribor).
Mário Centeno repetiu a ideia de que “tivemos uma subida muito rápida da taxa de juro e tivemos necessidade de que essa subida nos levasse para território restritivo”. “Isto é um desafio porque estamos a mudar de regime, de taxas de juro insustentavelmente baixas para taxas de juro restritivas, e para que isso seja bem acomodado pelos agentes económicos é preciso tempo” para avaliar os impactos das medidas já tomadas.
“Não temos tido esse tempo e, por isso, temos de ter alguma cautela adicional em relação àquilo que será o ajustamento mas ainda não foi observado. Há ajustamentos que estão já a ser feitos, redução dos investimentos, do consumo, por exemplo, e que estão a ser mitigados por almofadas acumuladas anteriormente”, avisou Centeno, lembrando que essas almofadas acabarão por se “esgotar” e aí o “ajustamento” poderá ser mais brusco.
Mário Centeno reiterou, também, o apelo a que as empresas baixem os preços no consumidor sobretudo porque os preços das matérias-primas têm vindo a cair, nos mercados internacionais, e muitos produtos já estão a ser feitos com matérias-primas compradas a preços mais baixos.
Se falharmos nesta transmissão, vamos colocar uma pressão adicional sobre a política monetária. e vamos quase que ser obrigados a prolongar o período de aumento das taxas, o processo de aumento das taxas de juro e, com isso, podemos perder a previsibilidade que nesta altura estamos perto de atingir”, avisou Centeno.
Banco de Portugal mais otimista do que (mais recente) previsão do Governo
O regulador está, assim, mais otimista do que o Governo, que prevê um crescimento de 1,8% este ano e de 2% em 2024, embora essa previsão já tenha sido feita há vários meses.
No primeiro trimestre de 2023, a economia cresceu acima do esperado, 1,6% em cadeia, sustentada em larga medida pelo dinamismo das exportações. Os indicadores disponíveis apontam para que a atividade continue a expandir-se, com variações em cadeia de 0,3% no segundo trimestre e de 0,5% nos dois trimestres seguintes”, diz o Banco de Portugal.
No comunicado, o Banco de Portugal salienta que “a economia portuguesa é, hoje, uma economia diferente, em resultado de alterações estruturantes“. Entre essas “alterações estruturantes” estão “o aumento das qualificações da população, a estabilidade financeira – refletida na redução do custo de financiamento e no aumento da poupança das empresas e famílias – e a alteração do tecido empresarial resultam numa economia capaz de acompanhar a procura internacional e de gerar riqueza e procura interna sustentáveis”.
Por outro lado, “o mercado de trabalho mantém-se sólido, em resultado do desempenho económico, mas também para ele contribuindo”. E a “absorção de fundos europeus pelo setor privado, ainda limitada, permitirá sustentar o investimento produtivo e mitigar o impacto da subida das taxas de juro“, confia o supervisor financeiro.
Identificam-se riscos equilibrados para a atividade. Por um lado, o agravamento das tensões geopolíticas e financeiras globais pode abrandar o crescimento, mas, se o dinamismo do consumo e das exportações de serviços continuar a surpreender em alta, a atividade pode crescer acima do projetado. A inflação pode ser afetada por novos choques sobre os preços das matérias-primas internacionais e uma maior persistência pode resultar da materialização de efeitos indiretos e de segunda ordem sobre os salários e as margens de lucro, ou de políticas pro-cíclicas que sustentem a procura”, salienta o Banco de Portugal.
Pela primeira vez, o Boletim Económico do Banco de Portugal inclui projeções orçamentais e antecipa-se que o “saldo orçamental deve situar-se próximo do equilíbrio até 2025, assumindo as medidas de política orçamental já adotadas e anunciadas“. “O saldo primário deve rondar 2,5% no horizonte de projeção, ainda abaixo dos 3,1% registados antes da crise pandémica”, diz o Banco de Portugal.
O supervisor financeiro antecipa “uma diminuição do rácio da dívida pública de 20 pontos percentuais, para 92,5%, beneficiando dos excedentes primários e do crescimento nominal da economia”.