Na loja do Benfica, junto ao Estádio da Luz, duas máquinas de estampagem estavam atarefadas. Os adeptos entregavam as camisolas da nova época, livres nas costas, e nelas pediam que fosse acrescentado Di María, 11. “Vai demorar 45 minutos”, reponde a funcionária com uma mão no talão que comprova o pagamento do serviço e a outra na máquina a retirar mais uma camisola completa com o nome do reforço do Benfica que em breve se ia mostrar aos adeptos. O outro funcionário não parava o labor para interpelar os clientes. Das suas mãos ágeis saíam camisolas, que iam desde o tamanho 12 anos ao XXL, já com os caracteres colados ao tecido vermelho.
A cara de desilusão dos adeptos com a informação da funcionária tinha era sustentado no desalento de perceberem que Di María subiria a uma varanda do Estádio da Luz mais rapidamente do que a camisola que compraram para o homenagear estaria pronta. Mas houve quem tenha chegado a tempo. Uma espera de hora e meia até ao momento da apresentação do jogador não saturava Pedro Valério. Perto das grades que separavam os benfiquistas, não fossem eles saltar dez metros para alcançar o argentino, o adepto encarnado ainda trazia as costas quentes. A estampagem com o nome de Di María tinha acabada de se feita. Na mão, ainda estava o saco que não precisou de usar para colocar a mais recente aquisição, visto que a carregou no corpo.
“Foi mesmo agora”, comenta com o Observador em relação à compra da nova camisola. Independentemente da vinda do jogador que acabou por escolher publicitar, “já a ia comprar, é linda”. Di María acabou por vencer outras opções. “Kökçü também era um bom nome para estampar”. Diante de Pedro Valério está um grande ecrã led com uma imagem de El Fideo e uma saudação: bienvenido.
Poucas vezes Eusébio terá tido que partilhar protagonismo com outro jogador como o fez com Di María. A estátua da antiga glória encarnada segurava nos braços crianças que a usavam para se equilibrarem na posição mais elevada que procuravam ter para ver o jogador. No pedestal, os mais velhos cujas dores lhes pedem que se sentem. Tal como a figura da Pantera Negra, Di María também uniu gerações. Um avô segura uma neta ao colo. Ele está mais velho, ela certamente ainda não era nascida quando o argentino, há 16 anos, chegou pela primeira vez ao Benfica.
No meio dos encarnados, e é raro isso acontecer, o azul foi bem aceite desde que combinado com o branco que forma a camisola alviceleste da seleção Argentina. Nicolás está em Portugal há quatro anos e trabalha na área do recrutamento, Liliana há um e gere redes sociais. Durante a conversa com o Observador, começam a discutir animadamente sobre os clubes que apoiam no seu país de origem. Liliana é do Boca Juniors, Nicolás é do San Lorenzo. Ela reclama a grandeza do seu emblema, ele aponta que, em confrontos diretos, a equipa do Papa Francisco leva vantagem. “Na Argentina é tudo muy quebrado, temos sempre que escolher um lado”, diz Nicolás. Os dois emblemas de Buenos Aires dividem-nos, mas, em Portugal, não têm dúvidas sobre quem apoiar. “Aqui apoiamos o Benfica, o Di María vir para cá é mais uma razão para isso”, diz ele que veste uma camisola de Messi.
Enquanto argentinos, Nicolás e Liliana guardam boas memórias de Di María que agora se junta a Otamendi. “Ele tem aquela coisa com os golos importantes… Foi na final da Copa América, foi na final do Mundial, da Finalíssima, dos Jogos Olímpicos”, explicam, complementando-se na enumeração dos títulos que o jogador de 35 anos ajudou a seleção a conquistar. Como forma de tributo, muitos argentinos marcaram presença junto do Estádio da Luz. Uma criança vestia camisola azul e amarela do Rosario Central, o clube onde Di María começou a carreira e onde estava antes de ser recrutado pelo Benfica em 2007. Perto do jovem, caminhava outro de mão dada com o pai, ambos carregando o símbolo do rival, o Newell’s Old Boys. Havia ainda camisolas do Boca, do River e até um cão transportado pela dona, como se de um bebé se tratasse, com o equipamento alviceleste.
Respeitando a pontualidade benfiquista, Di María mostrou-se aos adeptos do Benfica às 19:04, hora escolhida pelo clube por representar o ano da fundação dos encarnados. Antes, foi exibido um vídeo com os melhores momentos do argentino na primeira passagem pelo clube antes de rumar ao Real Madrid. Para abrir o apetite, as primeiras imagens foram do golo de letra que marcou ao AEK de Atenas em 2009 para a Liga Europa. Seguiu-se uma fotografia ao lado de Rui Costa tirada quando o Benfica tinha um equipamento cor de rosa, ainda era patrocinado pela TMN e o atual presidente do clube era mais fã dos calções e t-shirt do que do fato e da gravata.
Quando Di María apareceu, entregue por Rui Costa aos adeptos. Os brincos em forma de diamante que lhe reluziam nas duas orelhas eram visíveis à distância como os faróis de um carro topo de gama. Realizou o protocolar gesto de bater no símbolo, acenou e, a pedido dos adeptos, saltou antes de os deixar a sonhar. “Muito obrigado por estarem aqui”, disse aos milhares de pessoas que o receberam. “Volto outra vez à minha casa”. Passa as mãos pelos braços para esconder os arrepios. “Trabalhar, continuar a lutar e a tentar conseguir títulos. Este ano o Benfica ganhou o 38.º campeonato e, oxalá, no próximo ano, possamos ir pelo mesmo caminho e tentar conquistar o 39.º”. Di María teve o seu nome associado ao Inter Miami de Messi, mas acabou por rumar de novo à Luz, após deixar a Juventus. “Tive muitas propostas de muitos lugares, mas tinha a ilusão, a vontade, o entusiasmo e a força de voltar a casa outra vez, de me sentir feliz novamente. Sinceramente, escolhi com o coração e nada mais”.
Rui Costa reapareceu para cantar o hino do Benfica. Di María abraçou-o e deu-lhe um beijo na face. O presidente não falou, mas, entre os adeptos, a opinião é de que o extremo é uma valiosa adição ao plantel de Roger Schmidt. “O Di María vem acrescentar experiência, porque já passou pelo Real Madrid, pelo Paris Saint-Germain, já tinha passado também pelo Benfica, de onde saiu há 13 anos. Acho que vem com muita experiência até mesmo pelo que fez na seleção argentina”, reflete junto do Observador Hugo Pinheiro. Apesar de chegar numa fase adiantada da carreira, o adepto encarnado não acredita que o argentino tenha perdido qualidades, pelo que pode ajudar os objetivos para 2023/24. “Não digo que venha jogar os jogos todos. Se não tiver lesões, acho que é uma mais-valia. Toda a gente pensa no 39 e em ir mais longe na Liga dos Campeões”.
Um dos primeiros cânticos que os adeptos do Benfica entoaram ao longo da apresentação foi O campeão voltou… Assim sendo, Di María também.